O Sr. e a Sra. Dursley, da Rua dos Alfeneiros, nº 4, eram dois belos pedaços de lixo, muito bem, obrigado. Eram as últimas pessoas no mundo que de se esperaria que tivessem alma ou um qualquer sinal de humanidade, fato que deixaria os dementadores muito putos da vida, uma vez que simplesmente não compactuavam com a ordem natural das coisas, onde seriam beijados e o mundo estaria livre deles.
Mas estou me apressando aqui, mesmo que não tenha dito mentira nenhuma. A situação é que esta não é a história dele. Não, não, nada de Dursley e cicatrizes na testa por aqui, este não é o livro do Menino que Sobreviveu. Esta aqui é minha história, apesar de que aquele quatro olhos aparece, sim, por aqui em um momento ou outro. Nada demais, entendem? Eu só tinha que começar xingando os Dursley, porque são uma família a ser xingada em qualquer situação possível.
A minha história começa apenas alguns dias antes da de Harry Potter. Temos uma coisa em comum, Harry e eu. Várias, na verdade, mas vamos por partes. Cronologicamente falando, nossa primeira semelhança é diabolicamente cruel: o início de nossas vidas foi permanentemente marcado com uma Maldição Imperdoável. Ele, o avada kedavra – a maldição da morte. Eu, a cruciatus – a maldição da tortura.
Foi em uma sala de estar bruxa, mesmo que parecesse espantosamente com uma trouxa. Envolveu um jovem casal de aurores, seu filho de um ano quieto de medo no andar de cima e uma mulher. Tinha dois caras com ela, também, mas veja, eles não são realmente importantes. Prestemos atenção na mulher. Essa mulher estava se divertindo à beça naquela sala, mas, como costuma acontecer quando sua diversão envolve a tortura violenta e cruel de duas pessoas, as autoridades acabaram com a farra.
Eu estava muito longe dali. Foi longe da Rua dos Alfeneiros, longe da sala de estar. Em uma casa grande demais para tão poucas pessoas. Mas era bonita, de qualquer forma, mesmo gelada. Os imensos jardins da frente, o bosque em volta e o mármore antigo e mágico que estava lá a mais de mil anos e ficaria mais mil. Eu me lembro do ouro, da prata e do diamante. Me lembro de corrimões dourados, de mesas escuras e compridas de madeira, de um quarto que era uma ala inteira. Mais era mais e todo o luxo ainda era pouco. Afinal, era um palácio.
Não era lá que eu ficava sempre, mas era sim um cenário bastante recorrente. Ainda mais nas últimas semanas, quando a mulher muito loira me tirou do meu quarto e me trouxe, e sorri para ela quando fez isso. Eu não me importava com a troca. Onde costumava ficar era ainda mais gelado, mesmo que menor, o som do mar castigando as pedras fazia a vez de canção de ninar, quando ele não estava lá para cantar para mim. E já não estava fazia há tempo demais.
Eu gostava quando ele vinha, todas as noites, antes de não aparecer mais. Eu conseguia senti-lo olhando para mim, sua presença muito mais real e sólida do que o próprio quarto. Ele cantava em palavras estranhas, barulhos baixos que ainda assim conseguia compreender. E sorria. Pequeno ou largo, sempre chegava aos seus olhos. Tão brilhantes e tão escuros, eu sabia que era tudo que ele podia enxergar naquele momento.
Quando ele parou de vir, ela passou a ficar muito mais, mas também não por muito tempo. Eu me lembro de seus pés no piso, na sua voz irritada, na explosão de seu temperamento. Algo estava errado, tão monstruosamente errado... eu podia sentir nela quando vinha e me pegava nos braços, quando sussurrava para mim sua própria canção, quando falava contra minha cabeça. Às vezes, palavras suaves e sopradas. Outras, elas saiam afiadas e agudas como um longo arranhão.
No final, só havia o agudo, o afiado, o irritado. Então a mulher loira veio e eu gostei muito. Ela me levou para longe da mulher agitada que fazia as coisas explodirem, me levou para longe de suas palavras agudas, de seus olhos ansiosos e de suas mãos firmes de unhas longas. Me colocou entre os seus, na grande casa com candelabros de diamante e com uma ala inteira só para mim. E ele. O outro, ele tinha minha idade, também estava lá.
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Corona
FanfictionNomes são coisas perigosas. A maior parte da mitologia afirma que não os deve dizer levianamente - eles tem poder. Malorie Lewis tinha uma afeição particular pelo seu nome. Depois que seus pais adotivos morreram e ela teve de voltar para o Lar para...