Pinho e Fogo

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Quase fui expulsa da livraria por bater um livro na cabeça de um menino – em minha defesa, ele mereceu.

Depois de esperar três semanas, finalmente já era mais que hora de comprar meu material. Eu queria ter ido antes, mas Lagrum me convenceu de que poderia não ser uma boa ideia. Ele me conhecia suficientemente bem para saber eu não esperaria pisar em Hogwarts para explorar meu novo material escolar – e a tentar algo com ele também. Mas isso acabou sendo uma péssima ideia para ele, que teve que me aturar ansiosa e inquieta durante todo esse tempo.

Mas ficamos quites quando ele fingiu que ia me matar.

Veja, nós éramos amigos a muito, muito tempo. O conheci nos meus primeiros dias no orfanato quando voltei, o que de longe o fazia ser minha amizade mais antiga. Lagrum havia me encontrado nos terrenos semiabandonados em volta do lugar e eu o contrabandeei para meu quarto. Naquela época, ele não era maior do que minha mão, o que facilitou muito todo o processo. Não acho que até mesmo eu com todas minhas habilidades e truques, conseguiria colocá-lo para dentro no tamanho que está.

Desde então, ele morava debaixo de minha cama, o que não era problema já que a arrumação dos quartos era de nossa responsabilidade. Lagrum não via problemas em sair de minha janela a noite, se enroscando nos canos até o chão e se afastando até achar alguma coisa para comer (nada muito próximo da minha realidade, como cães e gatos, o fiz prometer).

Como uma serpente mágica com quase cinco metros de comprimento, da mesma largura que meu tronco e tão escura como uma joia negra, não havia muitas coisas que ele era incapaz de fazer. Um de seus talentos era ocupar todo o maldito espaço do chão do quarto e, agora recentemente descoberto, tentar me esmagar até a morte. E, vou te dizer, acordar com mais de cem quilos de réptil concentrados em cima de você não era a forma como eu pretendia começar o dia.

— Lagrum! Seu ofídico babaca, não vê que não consigo mais te aguentar?! — Engasguei ao me sentar na cama, as mãos no coração, meu corpo doendo e alerta do quase esmagamento. O idiota se amontou no chão ao lado da cama, a cabeça se esticando e facilmente passando em volta de mim duas vezes antes de passar a língua no meu rosto apenas pelo prazer de me irritar.

Sou uma cobra. Não enxergo.

— Cobras também não tem senso de humor, sabia? — Empurrei sua cabeça para longe, mal-humorada. Se serpentes pudessem rir, o filho de uma peçonhenta estaria gargalhando enquanto deslizava pela cama, o corpo meio no chão e meio nos lençóis.

Vamos, que cara é essa? Eu apenas quis te acordar. É o grande, grande, grande dia, não é mesmo?

— Vai rindo, vai rindo — resmunguei ao jogar minhas pernas para fora da cama. — Vou te deixar para trás, se quer saber.

Não pronuncie ameaças vazias, Mal, sabemos que morreria sem mim.

Algumas coisas bastante mal-educadas e igualmente sem sentido saíram da minha boca enquanto eu pegava minhas roupas e ia em direção ao banheiro fora do quarto. Mesmo sendo cedo, as freiras e algumas meninas já estava de pé. Toda a atmosfera do orfanato havia mudado drasticamente desde que mandei Greta para seu lugar de descanso, até as paredes pareciam mais claras o ar menos pesado. Sem mais Vara, sem mais açoites, sem mais comunhões com o Santo através da dor.

Cumprimentei e fui cumprimentada pelo caminho, ouvindo as curtas fofocas matinais. Maggie, uma mais velha de dezesseis anos, fugiu na noite passada e na hora de voltar, caiu e torceu o tornozelo. A abadessa Joan ainda estava viva, apesar de ninguém saber por quanto tempo e me perguntei se a boa mulher ainda estaria aqui quando eu voltasse do ano escolar. Alguma comida foi roubada da cozinha, provavelmente pelas garotas mais novas, e elas leriam bastante capítulos bíblicos e rezariam de joelhos na capela por isso até se arrependerem de afanarem as coisas.

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