8.

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Ele não sabia exatamente para onde ia quando resolveu caminhar pelo bosque. Só sabia que precisava de ar e de solidão, e que aquela hora de sol a pino, em que todos no Palácio e na cidade andavam apressados atrás de suas obrigações, era a melhor oportunidade que teria de escapar sem ser visto.

Parece errado sair escondido, e certamente os Auxiliadores o reprovariam, mas, que mal pode haver? Afinal, não está literalmente saindo escondido, está apenas sendo discreto. Não era comum que o Sacerdote ou seus Auxiliadores caminhassem pelas ruas da cidade ou pela floresta, a menos que estivessem fazendo alguma tarefa que exigisse isso. Mesmo assim, resolve sair, sedento por um pouco de paz e silêncio.

Na realidade, ele sabe perfeitamente para onde está indo. Mas, com receio de admitir para si mesmo, prefere fingir que está andando sem rumo, enquanto suas pernas o levam ao lugar a que deseja ir.

Ele ainda sente ódio daquele garoto, o que o desafiou. Nunca ninguém o havia confrontado antes. Pertencendo à linhagem dos Sacerdotes, estava acostumado a ser adulado por todos.

Algo naquele garoto, porém, desperta nele não somente a irritação de ter sido desrespeitado, mas também um sentimento diferente de todos que já sentiu. Como se aquele desafio, aquela afronta, fosse exatamente o que precisava para tirá-lo de sua rotina entediante e, mais recentemente, frustrante. Ele levaria aquela situação adiante para ver onde iria chegar. Quando se cansasse, seria fácil: apenas uma ordem sua e o garoto desapareceria para sempre de seu caminho.

Ao pensar este último pensamento, sente-se triste.

Na vida dos Sacerdotes não há meio-termo, tudo são extremos, e não há formas intermediárias de resolver as coisas.

Pensando nesses assuntos, suas pernas param. Ele está num dos cantos mais isolados da floresta, totalmente coberto pelas densas copas das árvores. A sombra total torna o ambiente frio, apesar do calor do meio-dia que domina o resto da cidade.

Ele olha para o galho mais resistente daquela árvore, sobre o qual o garoto havia se deitado da última vez. Deve estar a uns bons três metros de altura, com poucos galhos ao redor que possam ser usados como escada.

Sacode a cabeça, tentando afastar a ideia estúpida.

Mas há algo de irresistível em tentar.

Olha à sua volta, certificando-se de que ninguém está por perto para ver o que fará. Então agarra com as duas mãos o tronco áspero da árvore e coloca um pé sobre a parte mais baixa do tronco. Apoia seu peso nos braços e coloca toda sua força na perna, erguendo o corpo. Em um milésimo de segundo, sem entender exatamente qual foi o erro, já está sentado no chão.

Uma dor pungente no cóccix o faz rolar para o lado. Ao diminuir, se dá conta da ardência nos braços. Estão vermelhos, ralados pela pressão sobre o tronco cheio de protuberâncias.

Sentindo-se repentinamente nu, enrubesce de vergonha, em parte por ter tentado algo tão estúpido que pareceria ridículo caso alguém o visse. Mas a maior parte da vergonha era por não ter a capacidade de realizar uma tarefa que parecia tão simples.

Quando a dor passa para um nível suportável, ele se ergue, limpando a terra e a grama da roupa, e, decidido, faz uma nova tentativa. Desta vez procura por algum relevo do tronco que possa usar como apoio. Com muito cuidado e algum sofrimento, consegue subir até a metade da altura do galho. Quase cai novamente ao tentar a distância que falta, mas, por fim, consegue alcançá-lo.

Com o corpo trêmulo, ele se ergue e consegue sentar, perdendo o equilíbrio por um breve instante. Alguns segundos depois, já está se acostumando com a sensação da altura, e mais confiante de que não cairá. Olha para o chão, e pensa em como fará para descer dali. Lembra que o garoto havia pulado de lá de cima. Mas ele, desacostumado a fazer qualquer tipo de exercício, provavelmente quebraria uma perna. De qualquer modo, seria melhor esquecer essa parte enquanto ainda não fosse o momento da descida.

Dantálion [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora