A noite está morna e seca, prenunciando o fim da estação quente. A cobertura áspera de folhas já é mais espessa, protestando com estalos a cada passo seu. Sem combinar nada com Dantálion, ele caminha solitariamente para o ponto de encontro, sua mente ainda anuviada pelo que fez. De alguma maneira, ele tem a intuição de que o garoto estará lá.
De qualquer modo, não poderia simplesmente dormir como se tudo estivesse bem, não depois de tê-lo visto naquele estado, e não depois de ter sido o responsável pela morte de uma pessoa.
De longe, ele avista uma fogueira maior do que a que costumam acender, e caminha sorrateiramente para ter certeza de que não é algum estranho.
Ao se aproximar, encontra Dantálion, em uma situação deplorável.
O garoto está estirado no chão, seu olhar vazio e estúpido voltado para o alto. Suas roupas estão sujas de terra e sabe-se lá do que mais. Os cabelos, ensebados de suor, grudam por todo o seu rosto. Perdido, ele nem percebe quando o Sacerdote se aproxima.
- Dantálion?
O garoto se ergue alguns centímetros do chão para olhá-lo, os olhos vermelhos e assustados, como se estivesse olhando para um monstro.
De fato, o Sacerdote se sente um monstro diante dele.
- Qual o problema com você? – pergunta, com medo de ouvir a resposta.
Dantálion sacode uma das mãos flacidamente no ar, deixando-a cair sobre o peito, indicando que ele vá embora, e solta o peso do corpo contra o chão, provocando um baque que deve ter doído. Ele não demonstra sentir nada.
- Dantálion?
- Vá embora. – grunhe, sua voz mole e fraca.
- Você está se sentindo bem?
- Eu disse pra ir embora, seu infeliz.
- Se você não queria que eu te encontrasse, por que veio justamente para cá?
Ele finge que não ouve a pergunta.
O Sacerdote se aproxima mais e só então vê que ele segura algo com a outra mão: um objeto transparente, com um líquido levemente marrom dentro.
- O que você está bebendo?
Dantálion parece repentinamente desperto pela curiosidade de saber o que é o líquido. Erguendo um pouco o rosto, cerra os olhos para analisar o frasco, mas aparentemente desiste, lançando o peso da cabeça novamente ao chão. Outro baque.
- Fale comigo!
- Me deixe em paz.
- O que houve com você?
- Eu já falei! Me deixe em paz, seu maldito assassino!
Sacudindo a cabeça com indignação, o Sacerdote olha ao redor, certificando-se de que não há ninguém pelas redondezas antes de se sentar ao lado do corpo inerte e mole do outro.
Dantálion ergue o pescoço e bebe alguns goles longos do conteúdo de seu frasco, gotas de suor escorrendo pelas laterais de seus olhos. Sem nenhum motivo aparente, ele arqueia as costas, jogando a cabeça para trás, e solta uma gargalhada perturbadora.
- Você é bom, não é? – pergunta, com a voz ainda mais enrolada – Você... É o grande supremo Sacerdote! Você é muito bom! Eu é que sou um merda.
Ele tenta se sentar, tombando para o lado, e aponta um dedo sujo na direção de Lúcio.
- Você deveria se ver lá em cima! Lindo! Parecendo um monte de lixo enrolado em ouro e diamantes! Pena que debaixo disso tudo não existe nada!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Dantálion [COMPLETO]
Science Fiction[DISTOPIA GAY] Lúcio está prestes a dar o passo mais importante de sua vida: assumir o lugar de seu pai como Sacerdote. Dias antes de sua iniciação, porém, as coisas começam a desandar... Dúvidas e medos de infância reaparecem. A insegurança em sua...