O garoto de olhos negros apoia as costas numa árvore próxima, ficando frente a frente com o Sacerdote, que ainda está encostado na árvore em que ele o tinha empurrado.
- Eu pensei que você fosse desmaiar. – diz o garoto, observando-o com atenção - Você é o sujeito mais esquisito que já conheci, ficou apavorado. Jamais pensei que você fosse tão covarde assim. Se eu soubesse, eu jamais teria feito isso.
O Sacerdote permanece quieto, olhando fixamente para o chão.
O outro continua, apertando os olhos:
- Acho que você nunca deve ter brigado com ninguém, não é?
O Sacerdote sacode a cabeça, sem desviar de seu ponto fixo no chão.
- Você vai dizer alguma coisa ou vai ficar aí que nem um idiota assustado? Fale qualquer coisa! Me xingue!
Ele finalmente ergue a cabeça e diz, sua voz magoada:
- Só me diga por que você fez isso. Pensei que fôssemos amigos.
O garoto arregala os olhos diante das palavras. Uma expressão indecifrável percorre seu rosto em uma fração de segundo antes de ser substituída por seu olhar sério.
- Você não deve nunca mais fazer o que você fez.
- O quê?
- Isto. – diz, mostrando o bilhete amassado.
- Eu só queria que...
- Não. – interrompe – Isto é muito perigoso.
- Por que motivo isso seria...
- Escute, - continua o garoto, estendendo a mão para que ele fique quieto – Por que você acha que aquele livro existe até hoje?
O Sacerdote permanece calado.
- Porque ele foi escrito. – responde ele mesmo - Quando você fala alguma coisa, aquilo desaparece em pouco tempo, mas quando você escreve, aquilo se torna eterno. Olhe bem para este papel, que, aliás, foi indevidamente arrancado de um livro extremamente raro do qual você deveria estar cuidando. Amasse-o, e você terá uma bola de papel. Enterre-o, e você terá um papel enterrado e terra remexida. Jogue-o no rio, e você terá uma pasta úmida percorrendo rios por muitos anos. Queime-o, e você terá cinzas e galhos faltando em alguma árvore. Você entende o que eu estou dizendo? - ele aproxima o papel do rosto do Sacerdote.
O Sacerdote acena timidamente com a cabeça.
- Então, - continua, cruzando os braços sobre o peito – nunca mais faça uma estupidez como essa. E se alguém achasse este papel antes de mim? Não se esqueça de que estamos fazendo algo perigoso. Você não deveria estar aqui, eu não deveria estar aqui, e aquele livro não deveria estar com nenhum de nós dois. Eu quero que você entenda a gravidade da situação e leve isso a sério.
O garoto estende o papel para o Sacerdote.
- O que você quer que eu faça com isto? – ele pergunta.
O garoto revira os olhos, apertando os lábios num sorriso.
- Existe uma maneira de fazê-lo desaparecer que não foi mencionada.
O Sacerdote olha para o papel amassado em suas mãos, amarelado e denso de tão antigo.
- Vá em frente. – diz o outro, tentando conter o riso.
O Sacerdote coloca o bilhete entre os lábios, sentindo o sabor amargo e enjoativo de papel velho, que lhe dá ânsia de vômito. Respira fundo e mastiga a pasta intragável até que consegue engolir, o papel descendo desagradavelmente até seu estômago.
- Muito bom. – diz o outro – Espero que isso te ajude a lembrar de nunca mais fazer algo desse tipo. E espero também que você nunca mais rasgue nenhuma página dos meus livros, ou eu te mato.
Ele começa a se afastar, caminhando na direção oposta à do Palácio.
– A propósito, - diz, virando-se brevemente para olhar o Sacerdote – não use nenhum poema nas suas pregações estúpidas, a menos, é claro, que você queira mesmo morrer.
- Espere! – grita o Sacerdote, vários metros separando os dois.
- O que foi?
- Eu... Não sei o seu nome.
O garoto para de andar, olhando-o por cima do ombro, deixando apenas metade de seu rosto visível, emoldurado pelos cabelos escuros que lhe caem sobre os olhos, dando-lhe uma aparência sinistra. Sob a densa camada de folhas que filtra totalmente a luz, seus olhos se tornam ainda mais brilhantes.
- Dantálion.
Um vento repentino faz o nome ecoar através da escuridão da floresta.
A música acima foi a grande inspiração para Dantálion. Se puderem, gostaria que ouvissem com calma e carinho. Esse ritmo vai nortear a história a partir de agora. A letra também tem muito a ver com os sentimentos conflitantes das personagens. (Não deixem de dar sua opinião, ok??)
Como o capítulo 15 foi curtinho, vou deixar mais um de bônus para vocês hoje.
Aproveitem!
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Dantálion [COMPLETO]
Science Fiction[DISTOPIA GAY] Lúcio está prestes a dar o passo mais importante de sua vida: assumir o lugar de seu pai como Sacerdote. Dias antes de sua iniciação, porém, as coisas começam a desandar... Dúvidas e medos de infância reaparecem. A insegurança em sua...