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No cômodo mal iluminado, cada um dos Surdos se levanta, anunciando os nomes. Como da primeira vez, Dantálion se apresenta, e, logo após, Moloque, que se senta ao seu lado.

A tensão está no ar. Todos os presentes falam desordenadamente, exigindo alguma atitude. Dantálion e Moloque permanecem calados o tempo todo.

- Não adianta esperarmos mais! Precisamos agir! – diz alguém – As execuções já começaram, e logo seremos nós!

- O caso de Maura nada tem a ver conosco. Não há motivo para pânico.

- Como não?! Você não ouviu o discurso cínico de Anton?! E ele mal tinha provas! É óbvio que ele fez de propósito! Ele está nos encurralando!

- O Palácio sempre faz execuções de lembrete. Não tem a ver com a gente.

- Tudo que o Palácio faz tem a ver com a gente!

- Preciso concordar com Kali. Não tem como negar a conexão. Mesmo que o Palácio não esteja mirando em nós diretamente, está claro que estão tentando fazer todos lembrarem quem manda.

- O que faremos então, Malphas? Estamos de mãos atadas, não há nada que possamos fazer. – intervém outro.

- Eu tenho uma ideia.

Todos olham na direção de onde veio a voz.

- Precisamos chamar a atenção para nossa existência. – continua a mesma pessoa.

- Mas não é justamente isso que queremos evitar?

- Não exatamente. Se não há nenhuma atitude concreta que possamos tomar, precisaremos apelar para a propaganda. Precisamos nos fazer vistos, mesmo que em segredo. Precisamos anunciar que estamos aqui para ganharmos um pouco de credibilidade.

- Isso é loucura. – outro interrompe – Esse foi o erro de nossos antepassados.

- O erro deles não foi esse. Nós somos mais cuidadosos, não temos redes, nem escolas, nem repercussão. Se agirmos com cautela, ninguém saberá onde estamos, nem quem somos. Saberão apenas que estamos em algum lugar, fazendo alguma coisa.

- E então pra quê ter propaganda?

- Fé. – rompe Dantálion. Sua voz autoritária faz com que todos se calem e prestem atenção nele – Não importa o que é real ou não, desde que eles tenham fé em alguma coisa. Se eles acreditarem em nós, seremos fortes, mesmo se não fizermos absolutamente nada. Por outro lado, se o povo continuar acreditando nas mentiras que contam sobre nós, jamais teremos sucesso, mesmo que todos os Auxiliadores sejam destituídos.

- É disso que estou falando. – confirma a pessoa que havia iniciado a discussão.

- E o que você está pensando em fazer, Buer? – pergunta Malphas.

- Muito simples, - responde ele – podíamos matar o Sacerdote.

Dantálion enrijece em sua cadeira, a tensão visível em todo seu corpo.

Uma explosão de conversas recomeça, todos falando ao mesmo tempo, alguns claramente a favor e outros contrários à ideia.

Moloque, porém, apenas abaixa a cabeça, pensativo.

Dantálion se levanta, sua voz metálica escapando trêmula:

- Nós não somos assassinos, nossos inimigos são! E é justamente contra isso que lutamos!

- E você espera que eles parem de nos matar e explorar como, Dantálion?! Sentando e conversando com eles?! – grita alguém – Não é assim que o Palácio age, e não é assim que as coisas vão mudar!

- Cale a boca, Alastor! Você não sabe o que está dizendo.

- Vá se ferrar! Ninguém dá a mínima pra sua opinião!

O tampo de madeira maciça estremece quando Dantálion crava sua adaga sobre a mesa, os nós brancos dos dedos aparecendo sob a manga da túnica.

- Venha até aqui se quiser tomar meu lugar. Estou esperando.

Alastor se levanta num salto, tencionando avançar em sua direção.

- Por tudo que é sagrado! Vocês dois querem parar?! – Malphas se coloca entre eles, empurrando-os com os braços estendidos – Dantálion, guarde sua arma. E você, Alastor, cale a boca antes que acabe morto. Você não cansa de apanhar dele?

Palavras de ódio voam sobre a mesa, algumas contra o Sacerdote, outras sobre assassinato. No meio da baderna, é possível ouvir alguém acusando Dantálion de ser um traidor.

Ainda com a cabeça baixa, Moloque se levanta, falando pela primeira vez aos Surdos:

- Escutem, todos vocês!

Como se um instinto inconsciente os fizesse reconhecer na voz do Sacerdote a sua autoridade, todos se calam ao mesmo tempo, voltando a atenção para ele.

Dantálion permanece de pé, apertando o cabo da adaga entre os dedos rijos. Despertando de seu estado de pânico, porém, ele cede à estranha atmosfera de segurança e magnetismo que emana da figura de Moloque.

- Eu concordo com vocês que devemos agir, mas não devemos ser idiotas, nem tomar atitudes precipitadas. – continua Moloque – Pensem bem, que diferença faria matar o Sacerdote? Ele não tem descendentes, e os Auxiliadores certamente tomariam o poder, criando sabe-se lá que tipo de governo ainda mais bizarro. Eles provavelmente iriam gostar disso.

Os Surdos ficam quietos, ruminando o pensamento enquanto olham para os próprios pés e mãos. Aparentemente, o discurso surtiu seu efeito em dissuadi-los.

- O que você sugere então, Moloque? – pergunta alguém.

Ele cerra os dentes, tomando um longo fôlego antes de ter forças para falar:

- Precisamos atingir alguém que tenha tanta visibilidade quanto ele, mas que seja menos importante para o governo.

Dantálion vira o rosto coberto em sua direção. Mesmo sem ver suas feições, Lúcio tem a certeza de que seus olhos devem estar arregalados com horror ao perceber aonde ele quer chegar.

- Precisamos matar o antigo Sacerdote. – Lúcio continua, esforçando-se para disfarçar a instabilidade de sua própria voz.

Respostas de aprovação ecoam pela sala.

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Dantálion [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora