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Os batimentos cardíacos ecoam em seu crânio conforme corre, atravessando a floresta num único fôlego.

O ponto de encontro está vazio, nenhum sinal de Dantálion.

Ele leva as mãos ao rosto, recobrando o ar. Alguns segundos depois já está em movimento de novo, percorrendo os arredores da clareira freneticamente, a ansiedade ardendo em sua pele.

Quando está prestes a completar a terceira volta, vultos assomam à distância.

Sem pensar duas vezes, corre para o centro da clareira, jogando-se atrás do tronco caído que a cerca por um dos lados.

As pessoas se aproximam. Mais ou menos quatro.

Pelas conversas, devem ser homens e mulheres juntos, voltando para as ruas centrais depois de encerrar o dia de trabalho. Caminham pesadamente, provavelmente carregando algo, suas vozes entrecortadas por momentos de mudez.

O Sacerdote se abaixa mais, tentando controlar a respiração alta enquanto o grupo passa logo ao lado.

- Você acha que eles realmente existem? – questiona um homem.

- Não sei. – é a resposta de uma voz feminina – Mas, você sabe, quando os boatos são muitos, é porque alguma coisa está acontecendo. Você ouviu o que aquele rapaz dos dentes amarelos disse, não ouviu?

- Aquele garoto só fala besteira. Um tempo atrás disse que viu luzes que piscam na serra. Agora fica espalhando que não sei quem falou não sei o quê. Eu já disse pra ele que, se continuar assim, vai acabar parando no palanque. E vocês também! Já disse para não falarem mais sobre esse assunto!

- Se eles existem mesmo, - retoma o outro, como se a ameaça do anterior não tivesse efeito nenhum – espero que sejam capturados logo. Já não basta a vida estar difícil, ainda tem que surgir um bando de desocupados pra causar desordem. Se todos fizessem sua parte, não teríamos que trabalhar tanto.

As vozes se calam subitamente, enchendo o bosque em seu vazio cadenciado de folhas caindo e arbustos sendo sacudidos por criaturas invisíveis. O riacho murmura por pouco tempo, antes de ser interrompido pelos sons dos passos avançando rapidamente em sua direção.

O Sacerdote fecha os olhos, desejando que se afastem. Não seria capaz de livrar-se de um grupo tão grande, mas fugir seria impossível. Se o rio estivesse mais perto, poderia tentar se arrastar e mergulhar antes que o identificassem, mas estava lá, preso atrás do espaço minúsculo do tronco, sem condições de chegar até a água. Se qualquer um o reconhecesse, seria o fim.

Numa última esperança, enfia as mãos na terra úmida, esfregando a pasta com cheiro de bolor pelo rosto e pelo cabelo, contendo a repulsa. Se tivesse que lutar para fugir, pelo menos poderia ter uma chance de passar desconhecido.

Já coberto de lama, retira a adaga amarrada na cintura, apertando o cabo entre os dedos, tomando fôlego para se defender a qualquer segundo.

Os passos param ao seu lado. Galhos e folhas começam a ser remexidos pela clareira. Eles sabem de sua presença. E, mais do que sabem, eles o procuram.

Respirando fundo, decidido, Lúcio salta de trás do tronco, adaga em mãos, fazendo um barulho alto que chama a atenção de seu oponente.

Diante dele, Dantálion ergue as sobrancelhas numa expressão de incredulidade, galhos secos empilhados sobre seus braços finos.

Sentindo alívio, e logo depois vergonha, o Sacerdote guarda a arma, sem dizer nada, e senta ao lado da fogueira que Dantálion começava a montar, cobrindo o rosto sujo com as mãos.

Dantálion [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora