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Ele olha para trás, tocando o próprio corpo à procura dos ferimentos.

Seu rosto está completamente coberto de sangue, a orelha decepada finalmente começando a coagular. Fora isso, não há nenhuma ferida grave, apenas hematomas, arranhões e alguns pontos doloridos onde fora atingido.

Do meio do Templo, o cadáver petrificado de Anton o encara, os olhos azuis ainda fixos nele, a boca pendente num protesto silencioso, como se pudesse erguer-se a qualquer momento para cumprir a Justiça.

Lúcio o encara de volta, sem medo. Até gostaria que ele revivesse, só para poder mata-lo de novo. Era frustrante que terminasse tão rápido.

Já havia matado várias pessoas em poucos dias, direta e indiretamente.

A mãe da criança imperfeita, o antigo Sacerdote, Vero, o homem desconhecido na floresta, Iago, e agora Anton.

Jamais poderia imaginar, porém, que teria tanto prazer ao sentir o corpo de Anton se retorcendo com o último desespero por fôlego.

Ele olha para as mãos sujas de sangue, provavelmente dele mesmo.

Havia se tornado um assassino.

Não só alguém que mata para sobreviver, mas alguém que mata por prazer, por vingança.

Dantálion teria vergonha de ver a pessoa em que se transformou. Se estivesse vivo, provavelmente o odiaria. Provavelmente não teria qualquer verso de amor para ele, não agora, que havia se tornado um monstro.

Lúcio toca a orelha, sentindo a dor pungente do toque enquanto a pele inteira queima. Anton não pretendia matá-lo, mas aproveitou a chance para machucar o quanto pôde. Ele sabia que, se fizesse com ele o mesmo que fez com Iago, a dor seria ainda mais profunda.

Não era apenas uma ferida: era a imagem do garoto que apareceria diante de seus olhos a cada vez que se olhasse num espelho. Era ele, incorporado e vivo, com todas as suas mazelas, com todas as marcas que carregava no corpo e na alma.

Ele observa os dois corpos estendidos sobre o chão do Templo. O que faria com eles? Se um já era difícil o suficiente para carregar, como faria para se livrar dos dois?

Reflete por mais um tempo, inalando o aroma insuportável dos mortos apodrecendo, misturado ao cheiro enjoativo do próprio sangue.

Tomando outro fôlego, ele se ergue, caminhando até as portas.

A chuva continua a cair torrencialmente sob a escuridão da madrugada. As gotas que o atingem fazem sua orelha arder, amolecendo novamente a camada de sangue que a protege.

Ele caminha lentamente em direção ao Palácio, sem se importar que alguém o veja.

Ser descoberto não importa mais.

Porque só há uma última coisa a ser feita.    

    

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Dantálion [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora