Epílogo: Pandora

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Lenora está sentada sobre a cadeira, observando a criança brincar na orla enquanto as ondas quebram à distância.

Já faz mais de dois anos que Lúcio desapareceu sem deixar nenhum vestígio.

Ela leva a mão ao peito, a saudade ainda ferindo seu coração.

O pior de tudo é a incerteza sobre seu destino: estaria ele morto, levado pelas águas do mar, ou a teria abandonado de propósito, incapaz de suportar o peso do passado sobre o presente?

Se ao menos soubesse o que houve com ele, poderia se agarrar àquela certeza, e as dúvidas não mais a perturbariam.

A menina levanta uma das mãos, exibindo com orgulho uma concha alaranjada que encontrou na areia. A mãe solta a costura por um instante, batendo palmas em aprovação. A criança sorri.

De qualquer modo, já fazia tempo que Lúcio era atormentado pela insanidade. Não era raro acordar no meio da noite, gritando sem parar, chamando por vários nomes de pessoas mortas. Ele não tinha superado o passado. Quem teria? Quem, afinal, seria capaz de passar pelo que ele passou e continuar são? Ela mesma, em determinadas ocasiões, chegava a ter crises de pânico ao lembrar-se da vida antiga, dentro dos limites da cidade. Se ela sofria os traumas, imagine ele, que, além de participar, havia sido o responsável por muitos acontecimentos terríveis e tomado em suas mãos a culpa...

E então, num dia qualquer, disse que ia tomar um banho de mar para refrescar a mente e não retornou. Talvez o mar o tenha tragado. Talvez ele tenha fugido. Talvez alguém o tenha interceptado...

Nenhuma das hipóteses é boa.

Ela olha novamente para a filha, que continua a caminhar sobre a areia, coletando conchas. Que tipo de futuro a aguardava? Ali, sozinha, sem nunca ter conhecido nenhuma outra pessoa além dos pais, uma criatura quase selvagem que pouco falava e pouco tinha a dizer? Que tipo de futuro poderia ter num mundo devastado pela miséria humana?

Para piorar a situação, agora já não tinha o pai. Se algo lhe acontecesse, como a filha sobreviveria sozinha?

Um movimento em sua visão periférica chama sua atenção.

Ela vira o rosto.

Sentindo o corpo gelar, fecha os dedos instintivamente ao redor do cabo negro da adaga, mantendo a arma escondida sob as roupas que costura, preparada para atacar o estranho que caminha calmamente em sua direção.

Pandora continua a brincar, sem notar a presença do intruso.

Ele segue diretamente para a mulher, sem qualquer tipo de receio ou ameaça. Pela fisionomia, deve ser mais velho, embora seja difícil dizer pela barba mal feita e pelo chapéu amassado que cobre boa parte de seu rosto. Poderia ter desde trinta a cinquenta anos. Pelas roupas, porém, ela sabe dizer exatamente de onde ele vem.

- Senhora Kali? – ele pergunta, apertando os olhos para vê-la melhor.

Seu julgamento estava correto. Ele vinha da cidade. Muito mais que isso: vinha diretamente dos Surdos.

- Quem é você?

- Sou um amigo.

- Eu não tenho amigos. – rosna.

- Não era assim que costumava conversar comigo, Kali.

Ela olha de relance para a filha, que, tendo finalmente percebido a presença do estranho, observa a mãe com os olhos arregalados.

- Diga-me quem você é, ou eu te mato. – rosna novamente, exibindo a lâmina nas mãos.

O homem sorri, retirando o chapéu.

- Você não mudou nada, minha companheira. Sou eu, Buer. Não me reconhece sem aquela máscara?

Lenora estreita os olhos, incapaz de acreditar no que acaba de ouvir. Restavam alguns deles vivos, então.

- O que você veio fazer aqui? Está perdido? A cidade fica para o outro lado.

Buer amassa o chapéu velho entre os dedos, deformando-o.

- Nós tivemos um problema.

- E quando foi que vocês não tiveram um problema? Problemas da Decapital não são problemas meus. Vá embora.

O homem ergue o olhar em direção à menina, que continua imóvel, observando-os.

- Você não acha que sua filha merece uma vida melhor do que esta? Na cidade ela terá comida, roupas, abrigo, amigos...

Um soco atinge seu rosto, fazendo-o tropeçar alguns passos para trás.

- Nunca mais fale de minha filha, está ouvindo?! Não meta ela nessa conversa!

Sem se irritar, Buer apenas sorri, massageando a bochecha com os dedos.

- Desculpe-me pelo inconveniente, Kali. Vou direto ao ponto, se preferir. O que acontece é que uma guerra civil está prestes a estourar, e eles querem o filho do Sacerdote para governá-los e tentar colocar as coisas nos eixos de novo. Por isso eu resolvi procurar Lúcio. – seus olhos varrem toda a extensão da praia – Mas tenho certeza que se ele estivesse aqui já teria aparecido a esta altura, não é verdade?

- Ele precisou sair. – ela responde entredentes, contendo as emoções para não deixar nada transparecer – E não voltaria para aquele lugar, nem que sua vida dependesse disso. Não há nada para fazer aqui. Além do mais, ele não tem nenhum filho homem para suceder o Palácio.

Erguendo as sobrancelhas para a criança, Buer sorri.

- Sabe que, de longe, ela até parece um menino?    

- Sabe que, de longe, ela até parece um menino?    

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