Os dois estão sentados sobre a cama. Vero mantém um olhar fixo, porém calmo, esperando pela confissão de Lúcio. Este, olhando para o chão, pensa qual a melhor atitude a ser tomada.
Contar toda a verdade era loucura. Apesar de ser como um amigo, Vero ainda era um Auxiliador, e provavelmente contaria aos outros caso soubesse de algo inapropriado.
Mentir? O Sacerdote sentia como se fogo ardesse em suas veias. Blasfemar, esconder, duvidar, mentir... O mal dentro de si parecia crescer e se alastrar como uma erva daninha a cada dia, e ele temia que a Voz pudesse, de algum modo, castigá-lo.
Mas, se a Voz tudo sabe e tudo pode, por que não o havia castigado ainda? O que estava esperando? Será que esperava que ele remendasse os erros? Ou será que aguardava um momento para poder puni-lo de uma forma mais severa? De qualquer modo, algum instinto dentro dele lhe dizia que deveria postergar seu sofrimento o máximo que pudesse. Por que se entregar agora, se talvez pudesse passar toda sua vida sem que alguém descobrisse suas fraquezas?
Mentir... Mentir não era bom, ainda mais partindo dele, que deveria ser o portador da verdade. Mas contar a verdade também não seria bom. Afinal, contar a verdade seria admitir que havia mentido antes. Ele se vira para encarar o olhar fixo do Auxiliador. Só há uma forma de sair desta situação: contar meias-verdades.
- Eu acho que a Audição foi uma cerimônia bastante intensa... - começa ele - Eu admito que fiquei com um pouco de medo, e acho que não deveria sentir isso, porque a Voz não deveria nos causar medo.
- É isso que está te incomodando?
Ele balança a cabeça.
- Vejo que você está se sentindo culpado por isso, não está? – pergunta Vero, sondando com seus olhos compreensivos - A verdade é que todos nós, tanto os Auxiliadores quanto vocês, Sacerdotes, fomos criados para termos certeza de tudo. Mas, meu filho, - coloca as mãos em seus ombros – nós somos humanos também, e é impossível ter a certeza de tudo o tempo todo. E para um jovem Sacerdote como você, é perfeitamente natural que se sinta tenso durante algum tempo. Eu mesmo ainda tenho minhas dificuldades, Lúcio. É natural. Não exija de si mesmo mais do que pode fazer. Aja com naturalidade. Se você tentar ser firme demais, pode acabar tornando as coisas mais difíceis do que já são.
- Acho que sim. – o Sacerdote se levanta da cama na esperança de encerrar a conversa – Obrigado, Vero. Eu me lembrarei disso.
O velho se ergue e caminha para a porta, virando-se uma última vez para olhá-lo.
- Dê uma chance a si mesmo, amanhã será um dia melhor.
E, curvando-se levemente, deixa o quarto.
Sozinho, o Sacerdote deita em sua cama. A conversa tinha sido melhor do que esperava. Jamais imaginava que um Auxiliador pudesse dizer as palavras que Vero havia dito. Era a primeira vez em toda sua vida que ouvia um Auxiliador dizer que também falhava, que não era perfeito e que não tinha certeza de tudo.
Ele suspira, cobrindo o rosto com as mãos suadas. O momento anterior o havia deixado confuso e também aliviado. Aparentemente, ele não era o único que tinha suas inseguranças.
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Dantálion [COMPLETO]
Science Fiction[DISTOPIA GAY] Lúcio está prestes a dar o passo mais importante de sua vida: assumir o lugar de seu pai como Sacerdote. Dias antes de sua iniciação, porém, as coisas começam a desandar... Dúvidas e medos de infância reaparecem. A insegurança em sua...