NOTAS E INTERAÇÃO

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E assim chegamos ao fim de nosso primeiro volume da Trilogia Dantálion! Antes de prosseguir para a degustação dos próximos livros, eu gostaria de tomar um tempinho para falar um pouco sobre a obra, e deixar este espaço aberto para perguntas, comentários, sugestões e críticas. Tem alguma dúvida de enredo? Comente aqui! Também disponibilizo este espaço para quem quiser me conhecer melhor fazer perguntas. (Olhem lá o que vão perguntar!) ou para os leitores que quiserem se apresentar para que eu conheça vocês também!

Primeiramente, gostaria de agradecer a todos que acompanharam a jornada de Lúcio e Dantálion. Agradeço pelos votos e comentários. Eu leio todos, mesmo quando não sobra tempo para responder. Muito obrigada mesmo! Sem vocês, nada disso seria possível.

Então vamos lá:

A ideia central para Dantálion surgiu há muitos anos, quando eu ainda era criança. A história se focaria em uma personagem feminina (Sacerdotisa) que teria de entrar num templo para ouvir as mensagens de uma divindade. Logo ela perceberia, porém, que não era capaz de escutar absolutamente nada, o que ruiria a sociedade em que vive e a colocaria numa posição moral difícil. Na história original, havia dragões, animais falantes, etc...

Depois disso fui passando por várias fases. O enredo permanecia o mesmo. Os detalhes se alteravam.

O principal deles, claro, foi a escolha por manter dois protagonistas masculinos. Sim, porque num livro cuja essência era atacar o cristianismo, nada melhor que um casal homoafetivo para abalar as estruturas. Dantálion surgiu, como a figura do demônio que levaria o Sacerdote à sua queda.

Dantálion, para quem não sabe, é o nome real de um demônio da goétia, conhecido por ter milhares de rostos diferentes e andar com um livro, espalhar segredos, e ensinar o amor. Eu o escolhi para ser o codinome de Iago, já que ele teria exatamente essa função.

 Eu o escolhi para ser o codinome de Iago, já que ele teria exatamente essa função

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Fofinho ele, não??

De fato, na primeira cena em que Dantálion aparece, ele desce de uma árvore e oferece um "presente proibido" ao Sacerdote (o livro de poemas), numa metáfora da própria serpente do Gênesis. É o livro de poemas que faz Lúcio abrir sua mente, questionando palavras novas, sentimentos novos, e problemas novos.

E na última cena de Dantálion, ele é vaiado diante do povo que lutou para salvar, aguardando sua execução em nome de um amor verdadeiro. É nesta cena também que descobrimos que ele é um marceneiro (eu deixei dicas de que ele trabalhava com madeira durante todo o livro). Acidentalmente criei mais uma metáfora, comparando-o a Jesus Cristo, o que é uma ironia para um livro anti-cristão, mas serve como crítica aos cristãos de plantão, que sacrificariam o Messias de novo, se ele resolvesse voltar.

Outros dois elementos principais da obra são as referências literárias e o jogo de xadrez. As primeiras estão espalhadas, destacadas ou sutis. Devo falar sobre o livro "A confissão de Lúcio", primeiro romance gay de língua portuguesa, de onde o nome foi inspirado. Também há referências aos poemas de Drummond, poeta brasileiro modernista; Alphonsus de Guimaraens; Walt Whitman; Fernando Pessoa; Cecília Meireles. Há também referência a Shakespeare, no nome Iago, inspirado no personagem que manipula Otelo a ponto de matar a própria esposa, e também a Edgar Allan Poe, no nome Lenora, do poema "O Corvo", como expliquei nas notas dos últimos capítulos.

O livro segue a estrutura de um jogo de xadrez, com movimentações de ataques e defesas semelhantes ao jogo (por isso a capa original eram peças de xadrez), Lúcio representando os dois reis opostos, que devem se aniquilar mutuamente.

No início do livro, Lúcio não tem nome. Ele é chamado apenas de "filho do Sacerdote" ou "Sacerdote". Depois conhecemos seu nome, assim como seu codinome Surdo, Moloque.

As três personas são referentes à teoria da personalidade de Freud: Lúcio seria o EGO, a parte que toma decisões (lucidez). Moloque é o ID, o impulso primordial que não tem controle moral, e o Sacerdote é o SUPEREGO, aquele que mantém os bons modos em nome da aceitação social. Ao longo do enredo, Dantálion vai mudar constantemente os nomes pelos quais chama nosso personagem. Ele o chama de Lúcio nos momentos de intimidade, de Moloque quando quer que ele aja como um guerreiro, e de Sacerdote, quando quer humilhá-lo ou demonstrar indiferença.

Depois desse ciclo, Lúcio dissolve suas três personalidades, assumindo a quarta identidade: Dantálion.

De fato, ele vai aos poucos se transformando em Dantálion, conforme vai se tornando pálido, triste e com olheiras pela falta de sono, suas ideias gradativamente se moldando às crenças de Dantálion, até que por fim tem a orelha arrancada por Anton, assumindo o nome e posição na Ordem dos Surdos.

A respeito de Dantálion como metáfora, eu gostaria de esperar até o final do Filho para poder dizer mais detalhes sobre ele. O que me leva, aliás, a falar um pouco das duas "sequências".

Pandora é a sequência temporal de Dantálion, narrando a vida da filha de Lúcio, que retorna à cidade para tentar aplacar uma guerra civil desastrosa. Ela tem que fingir que é homem, e por isso passa por muitas aflições ao lado de Helena, personagem controversa que vai aparecer. É uma história diretamente inspirada no conto chinês de Mulan. Como tem um enredo mais complexo, porém, ele vai demorar um pouco.

O segundo livro é o Filho da Rebelião (que deveria ser o terceiro). Ele volta no tempo para narrar as memórias de Iago durante a infância, seu último capítulo coincidindo com o primeiro capítulo de Dantálion. É um livro mais emotivo e mais reflexivo, que nos permite compreender melhor a personalidade de Dantálion, além de esclarecer alguns pontos omissos sobre a cidade em que vivem, e mostrar o início da trama com Anton, Vero, os Surdos e companhia.

Por fim, eu preciso dizer por que escrevi Dantálion:

Quando comecei o projeto, dois anos atrás, a onda de conservadorismo estava apenas começando a dar as caras. Este ano vimos o estrago que ela causou.

Dantálion é um livro triste, pesado, sem finais felizes, porque ele não foi feito para entreter. Ele foi feito para machucar.

É um lembrete, e um aviso, de como é perigoso unir religião e política. De como é difícil ser membro de uma minoria étnica, social, sexual, religiosa, etc, em meio a um mundo intolerante.

Um tempo atrás eu disse que "Dantálion foi escrito hoje para que não aconteça amanhã", mas infelizmente terei que reformular minhas palavras e dizer: Dantálion foi escrito hoje, porque ele é real.

Fiquem seguros.

Nos vemos no Filho da Rebelião!

Vivian Cabrelli Mansano

São Paulo,

2018.

Dantálion [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora