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Alguém bate à sua porta.

- Com licença, senhor Sacerdote. Sua presença é solicitada imediatamente. Vista sua túnica cerimonial.

A voz do Auxiliador o desperta de seu estado depressivo.

A noite havia passado tão lentamente e tão depressa ao mesmo tempo... Sua mente havia estagnado, lançando-o na inércia. Mover as pernas é difícil, todo seu corpo pesa, exigindo que não retorne à realidade.

Sua vontade era permanecer deitado, nunca mais sair da cama, nunca mais ver ninguém.

Não bastasse seu humor já estar péssimo até mesmo para sair da cama, ainda havia algum evento idiota ao qual precisava ir. Algum evento idiota e importante.

Sem vontade alguma, ele se veste, tentando parecer o melhor possível, disfarçando sua debilidade interior.

Além de tudo que já havia enfrentado, agora precisa esquecer Dantálion para participar da cerimônia. Esquecer de sua despedida forçada, violenta e cruel. Caso contrário, estará se colocando em perigo. A mágoa, porém, o corrói por cada milímetro.

Seu pescoço dói nos locais em que os dedos de Dantálion o pressionaram. As marcas vermelhas desapareceriam em poucos dias, no entanto, e por isso não eram sua maior dor. O que doía mais era imaginar que, depois que todos esses dias passassem e os hematomas desaparecessem, a ruptura e a perda de seu único amigo ainda estariam lá, mais dolorosas que qualquer cicatriz em sua pele.

Perder Dantálion era quase como perder uma parte de si mesmo. A parte de si mesmo que o mantinha são.

Somente quando está se aproximando da saída do Palácio é que começa a se indagar a respeito da cerimônia. Que tipo de evento estaria ocorrendo? A única vez em que tinha sido chamado às pressas assim fora no dia do julgamento daquela mulher.

O pensamento lhe dá um péssimo pressentimento.

Assim que seus olhos se acostumam com a claridade de fora do Palácio, ele vê o manto escuro de Anton sobre o palanque, ruflando com o vento como as asas de um enorme pássaro preto. Seu coração gela.

Sentindo-se mais morto do que vivo, ele sobe os degraus, sendo recebido por um sorriso repulsivo de Anton. O silêncio absoluto no centro da cidade o permite ouvir os batimentos ecoando em suas artérias. Assim que toma sua posição, o Auxiliador da Justiça começa a falar diante do povo reunido:

- Meus irmãos, como todos sabem, estamos investigando o desaparecimento de nosso antigo Sacerdote, e contamos com a paciência e solidariedade de todos vocês neste momento difícil. Infelizmente, ainda não encontramos nenhuma evidência do crime. Encontramos, porém, evidências de um Crime Imperdoável ao investigarmos uma casa.

Após uma pausa, Anton estende os braços, uma expressão de prazer enchendo seu rosto.

- Seja trazido até o Púlpito o acusado, Iago, do grupo da marcenaria.

Como se estivesse dentro de um sonho, o Sacerdote sente o ar se tornar pesado, seu coração parando de bater por alguns segundos, enquanto observa o acusado subindo os degraus em sua direção, com as mãos finas amarradas à frente do corpo pálido.

Dantálion.

- Bom dia, senhor Sacerdote. – ele diz, fazendo uma leve reverência ao passar por ele, seus olhos negros brilhando com intensidade sob a luz do dia.

Lúcio fica entorpecido, seus sentidos desaparecendo.

Ele vê Dantálion caminhar em direção à guilhotina, sem conseguir reagir.

Os ouvidos estão tampados, sua visão fica turva, e ele sente que vai desmaiar a qualquer segundo.

Isto não é real. Isto deve ser um pesadelo, e ele precisa acordar.

Dantálion [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora