Dambus(Rodada 1)

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Dambus(Rodada 1)

Chegou meu momento – pensava Dambus, enquanto caminhava. Serei a melhor coisa que este mundo já viu. – continuou.

Estava viajando há dias. Por ser um espantalho, não tinha as necessidades básicas dos seres vivos: não se cansava, não precisava alimentar-se e não sentia sede.

Havia deixado o Templo em Merilinídia nas Terras dos Homens, e consigo carregava apenas um livro de necromancia que conseguira roubar antes de partir.

No seu oitavo dia de caminhada chegara até uma fazenda. Era uma noite tempestuosa e os raios e trovões clareavam o céu com sua luz e intimidavam com seus gritos. O vento soprava tão agressivamente que era como se estivesse lutando contra as próprias árvores, empurrando-as para a direita e levando embora suas folhas mais fracas.

O espantalho vestia-se com um sinistro chapéu pontiagudo, blusa de manga comprida com gola alta e um cachecol curto que esvoaçava às suas costas conforme o vento empurrava-o. Seus olhos avermelhados, dados como um presente por Morte, podiam ser confundidos na escuridão extrema com olhos de algum animal selvagem.

A casa da fazenda era grande, espaçosa, e inteiramente feita de pedra; exceto pelas janelas de vidro e madeira e o telhado de palha. Na chaminé saía uma fumaça acinzentada e luzes de velas e lamparinas destacavam-se na escuridão ao redor. Um curto caminho de pedras soltas enfeitava a porta de entrada.

Toc-toc-toc – veio o som sinistro em meio à chuva. Aos poucos, o ranger das dobradiças apresentaram o sinistro olhar de Tripus atrás da porta.

- Eu retornei pai – disse Dambus. Pela dificuldade em falar, parecia estar sendo torturado; pois sua boca era costurada e abria-se apenas parcialmente.

- Entre meu filho – disse Farus, abrindo a porta.

O espantalho entrara e pegou a poltrona que estava perto da lareira. Afastou-a até uma distância segura do fogo e sentou-se.

- Por que veio ver seu velho pai?

- Pensei que o senhor poderia me ajudar. Estou à procura da coroa de Kaiko o Rei Antigo.

Farus fez alguns segundos de silêncio. Se não fosse o crepitar do fogo e a tempestade lá fora, o mundo inteiro pareceria morto.

- Fico surpreso com a sua decisão, e não me interessa saber o porquê dela, mas, se você encontrasse a coroa, nossos planos estriam garantidos – disse Farus. Parecia um humano comum, exceto pela voz extremamente grave. Vestia um manto amarelo com bordas brancas e seu rosto era belo; com cabelos curtos negros e olhos castanhos. Inclinou o queixo levemente para baixo e apertou-o com a mão direita, como se sua mente estivesse vagando por pensamentos distantes.

- Aguarde aqui meu filho. – Farus levantou-se e andou calmamente até um cômodo do outro lado da sala. Após alguns sons de coisas sendo reviradas, retornou trazendo consigo um largo e grande baú que, apesar do tamanho, parecia leve; ou será que a grande força de um dos Príncipes do Fim tornava-o leve?

Pousou o baú há 5 passos de Dambus e abriu-o. Gritos de pessoas sendo torturadas soaram por toda a casa enquanto uma luz avermelhada invadia o ambiente, e, se é que aquilo fosse possível, o espantalho sentiu medo.

Por um momento, o braço de Farus pareceu esticar-se mais do que era possível dentro daquele baú, como se não houvesse fundo por lá. De repente suas mãos saíram segurando um cajado. Era feito de pura prata e uma de suas extremidades curvava-se com uma pedra azul presa em sua ponta. O objeto havia sido esculpido com formas que lembravam seres de diferentes raças em uma constante briga para conquistar a pedra do topo.

- Você já sabe por onde começar a procurar meu filho? – perguntou Farus após fechar o baú e entregar o cajado ao espantalho.

- As Terras Sagradas são a primeira resposta do enigma. Creio que encontrarei o que precisar depois que chegar até lá.

- Mostre-me o enigma – pediu Farus. Dambus lhe entregou um pequeno pedaço de pergaminho úmido.

"... Eu, Kaiko, deixo aqui gravado o meu desejo. Que alguém encontre minha antiga coroa, e lidere as Terras como achar melhor. Como todos que me conheceram sabem, nunca acreditei em "bem" e "mal", mas acredito que fazemos o que temos que fazer, influenciados por nossas histórias, motivações e desejos; então boa sorte!..."

"...É impressionante como riquezas fartas e vida fácil criam seres fracos, não? É de se supor que uma mente desenvolvida seja capaz de vencer uma batalha entre exércitos? Melhor dizendo, o que será que se esconde embaixo de nossos pés? Em grandes salões cobertos de ouro reina o poder, mas, assim sendo, o Poderoso cercado de ouro se esquece daquilo que tem mais valor, mesmo que esteja embaixo de seu próprio nariz. O cheiro da rosa é forte, e o seu desabrochar traz grandes maravilhas..."

- Certo – continuou o príncipe. – Algo me diz que você deveria buscar a sabedoria dos elfos. Não acho que lhe darão alguma ajuda por ser quem é, mas tenho certeza que estão ligados a este enigma. Meus antepassados foram mortos por Kyko, avô de Kaiko. Apenas Septmus foi poupado por aquele homem e desde então as Terras vivem em paz. Mas agora a história irá se repetir. O sangue do Celestial caído ainda corre em nossas veias. – Neste momento, Farus parecia viajar em lugares profundos de sua mente, como se estivesse esquecido a presença de Dambus ali. – Os Exilados terão sua vingança, garantiremos isso. – De repente seu olhar esquecido focou-se no espantalho. – Vá, deixe-me sozinho.

Dambus partira confuso, mas não ousara perguntar nada a seu pai. Temia-o, e com razão. Morte, também conhecido como Tripus, era sobrevivente da grande guerra de 1000 anos atrás, e irmão de Farus.

Em seu décimo oitavo dia de viagem, o espantalho chegara a uma vila de Grules nas Terras Sagradas. Tinha a aura mágica, não sofria de nenhuma necessidade e tinha o aprendizado de anos estudando no Templo; possibilitando-o a aproveitar cada hora do dia.

Facilmente encontrou os caminhos que precisava e andou durante dia e noite, em meio às tempestades e em campos verdejante, em grandes cidades ou vilas quase desertas.

Os Grules eram uma raça nativa das T.S. Possuíam quatro braços e uma longa corcunda, pele azulada, nariz e orelhas pontudas, e um sorriso sinistro. Viviam pacificamente em uma vila de médio-porte e eram muito religiosos.

Sua vila era formada por casas de tijolos de barro. Não faziam questão de bens materiais, pois tinham riquezas de sobra; vivendo apenas em função de seus deuses e templos de adoração.

Em um fim de tarde alaranjado e estrelado, o espantalho chegara. Adentrou a vila por um largo caminho de terra batida que levava até o maior templo de adoração do lugar. Sabia que chamava a atenção por onde quer que passasse e aproveitou-se ao máximo de sua estranha aparência. Enquanto caminhava, Grules corriam desesperados a procura do abrigo de suas casas e espreitavam pelas frestas das janelas aquela criatura estranha, aquela criatura sinistra que, aparentemente, não devia estar viva.

Até então ninguém havia ousado parar Dambus. Enquanto caminhava devagar, seus passos soavam por toda parte e levantavam um pequeno tapete de poeira.

Na zona norte da vila, a construção mais sofisticada do lugar erguia-se. Ornamentada com pedra-branca e com um imenso portão de madeira em forma de arco.

O espantalho aproximou-se assustadoramente segurando o cajado com a mão direita e o livro com a esquerda. Seus olhos vermelhos brilhavam e seu sorriso costurado nunca esteve tão largo.

- Agora vamos ver o que seus deuses escondem – disse para si mesmo em um sussurro. 

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