Livro-jogo: A busca pela coroa

Knut(Rodada 3)

     - Não esperava que fosse dar certo – admitiu Kyrot III. Estava andando em meio a uma trilha arborizada que seguia em direção a Cidade dos Elfos. O jovem Gusla o acompanhava.

- Foi mais fácil do que pensei – disse Knut. – Até que não foi má ideia tornar-me um espião.

Com a viagem do exército dos Exilados, alguns escravos foram levados para atenderem as necessidades dos guerreiros. Knut e Kyrot estavam entre eles. Ciro, o líder da mina norte e Yote, o líder da mins leste, decidiram que a guerra seria uma excelente oportunidade de fuga e ordenaram que Knut fosse na frente para tentar conseguir o apoio dos Elfos. A única exigência do Gusla foi levar seu companheiro junto, pois julgava-o velho demais para continuar servindo e tinha esperanças de que o homem conseguisse fugir.

As celas dos prisioneiros ficavam trancadas e eram transportadas por carroças durante a noite. Knut não teve dificuldades em abri-la, pois alguns dos mineradores tinham lá suas qualidades como ladrões e os guardas não eram os mais atentos. Após esfaquear o Orc que tomava conta da cela, vestiu sua armadura, escondeu o corpo em baixo da carroça e fingiu estar transportando Kyrot para algum lugar; conseguindo assim livre passagem pelas barracas infestadas de Exilados.

- Você viu aquele espantalho sinistro? – Indagou Knut. – Que coisa era aquela? E outra coisa... que porra está acontecendo nessas Terras? Você é descendente de Kaiko não é? Deve saber o que está acontecendo.

- Ele deve ser o campeão de Zet que os mineradores andavam falando. O ser que deveria buscar a coroa – respondeu o velho.

Kyrot sentou-se sobre uma pedra com um ar cansado. Não era tão velho, tinha seus 40 anos, mas meses de trabalho forçado e condições precárias lhe tiraram a força dos ossos. Knut sentou-se sob a sombra de uma árvore para ouvir a história. Passaram a madrugada e a manhã caminhando em bom ritmo e agora mereciam um descanso.

- Kaiko ficou conhecido por ter sido o único rei capaz de comandar todas as Terras. Não existia ninguém acima dele e sua história foi conturbada, cheia de amigos e inimigos e de intrigas familiares complexas. Por fim, aos 50 anos, por ter salvado as Terras do mundo de planos perigosos de alguns Celestiais, a maioria dos povos concordaram em chamá-lo de "Rei". Mas o poder pode enlouquecer um homem, principalmente um homem com um passado tão pesado quanto o de Kaiko. Anos felizes de reinado logo se transformaram em revoltas e rebeliões e, com um território tão vasto e diversificado, se tornara impossível manter a ordem senão pelo medo. Kaiko começou a capturar aqueles que se opunham ao seu domínio e cometia atrocidades contra eles, coisas terríveis até mesmo de serem ditas. Há quem diga que aqueles mortos pelo Rei Antigo ainda vagam pelo mundo dos vivos, mas quanto a isso não possuo conhecimento. Os Elfos eram seus principais aliados e ficaram responsáveis por guardarem a coroa do rei. Esta coroa... ela se tornou uma maldição. Todos se matam para consegui-la pelo que ela representa. É a coroa do rei mais poderoso da história, mas a verdade é que este era o objetivo de Kaiko, que morrera louco. Ele previra que a busca por poder nunca cessaria e, quando as Terras estivessem em um momento crítico, a pista da coroa deveria ser revelada e todos começariam a se matar por ela. Haveria guerras, redução drástica da população e o que restaria de seres vivos deveria recriar toda uma nova sociedade do zero. E depois o ciclo se repetiria eternamente. A população aumentaria, as guerras começariam, a pista sobre a coroa seria revelada e todos iriam se matar e recomeçar uma nova sociedade, deveria ser assim até o fim dos tempos. O ciclo de alegria e tristeza constante.

Kyrot fitou as nuvens brancas no céu azul, respirou fundo e voltou a falar com a voz rouca e cansada:

- Nós, seus descendentes, somos os únicos que conhecem a história verdadeira e somos responsáveis por garantir que o ciclo funcione, liberando a pista no momento certo, encontrando a coroa e escondendo-a em outro lugar. Hoje este dever é meu, mas meus dois filhos um dia crescerão e deverão continuar o trabalho, depois meus netos e assim por diante. Não percebe? A tristeza é necessária para que haja alegria. As guerras são uma consequência da paz. A própria natureza inclina os homens para a morte para que ela possa se perpetuar e continuar viva. Todos os seres virarão pó, mas as Terras serão eternas, a natureza será eterna.

- Filho da puta! Está me dizendo que estou em uma missão suicida? – Indagou Knut, raivosamente. – Você escondeu a coroa?

- Não. Este é o primeiro ciclo após a morte de Kaiko. Ele próprio a escondeu na Cidade dos Elfos e eu devo encontrá-la. Sua missão é suicida, mas não pense que é culpa do Rei Antigo. Você vai pegar a coroa e comandará todos os seres de todas as Terras e depois? Anos de alegria até as guerras começarem e você terminar feito Kaiko: louco. É um ciclo eterno e eu devo garantir que ele continue para que as Terras tenham pelo menos um período limitado de prosperidade

O velho de olhos cansados pegou um cantil com água que Knut havia roubado do guarda morto e deu uma boa golada, fechou os olhos, e saboreou a brisa refrescante que soprava em seus cabelos grisalhos e depois voltou a falar:

- A verdade é que me precipitei com a minha busca. Pensei que conseguiria matar Zet e desmanchar o exército dos Exilados para poder buscar a coroa em paz, mas fui capturado. Infelizmente força física nunca foi o meu forte e é por isso que preciso dos seus braços. Nós, os descendentes do Rei Antigo, somos treinados desde novos para conhecer todas as línguas, todas as culturas e todos os povos, mas faltou-me a força natural e a estratégia correta para encontrar a coroa. Em resumo eu estava na merda até encontrá-lo.

Knut levantou-se e bateu a poeira das roupas sujas e rasgadas. – Vamos logo seu velho! Temos que partir antes que os Exilados tenham a chance de nos esquartejar.

Kyrot ficou perplexo com a reação do jovem Gusla, esperava uma explosão de raiva com aquilo. Levantou-se e pôs-se a caminhar junto com ele.

- Eu vou acabar com esse ciclo meu amigo – continuou Knut. Tinha os olhos focados na bela paisagem do horizonte. – Eu vou lutar para que o período de paz se perpetue ou morrerei tentando. Se eu falhar... você ou seus filhos estarão lá para concertar as coisas.

Os dois chegaram até a Cidade dos Elfos dentro de 3 dias e foram levados até Ghilb. O rei dos Elfos agradecera por poder contar com a ajuda mais alguns, e talvez seu plano suicida não precisasse ser posto em prática. Agora, só lhe restava esperar... esperar pelo destino inevitável, pelos gritos, pelo sangue e pela destruição.