Ophelia(Rodada 2)

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Ophelia(Rodada 2)

O mundo girava enegrecido. Não se lembrava de como chegou ali, mas sua cabeça latejava como se tivesse recebido um forte golpe acima da nuca.

Aos poucos, algumas coisas tornaram-se visíveis: paredes de blocos de pedras acinzentadas, archotes queimando, mesas de tortura com correias, e sangue seco manchando o chão. Ophelia estava tonta de mais para pensar com clareza, mesmo assim, notou que estava sentada em um grande trono de madeira, com os pulsos e os tornozelos presos aos apoios dos braços por grossas correias de couro.

Há sua frente uma porta de madeira desgastada firmava-se, com vozes e passos que vez ou outra podiam ser escutados vindos do outro lado.

Não esperarei pela morte - pensou ela. Abriu as palmas de suas mãos e a névoa gélida branca-azulada começou a surgir. Pensava em usar o gelo em forma de lâmina para rasgar as correias quando passos apressados entraram pela porta. Dois Celestiais entraram.

Um armava-se com uma longa espada de duas mãos, que, provavelmente, era a maior espada que Ophelia já vira; o outro usava apenas roupas de pano e segurava um cajado tosco de madeira com a mão direita.

Os dois pararam em frente a mulher e começaram a falar na língua das Terras do Céu, o que tornava a maga um mero recém-nascido diante de seus pais: apenas ouvindo palavras que para ela não tinham sentido. Perguntou-se como o bibliotecário foi capaz de entendê-la.

Ao notar a falta de reação da mulher, um dos guardas saiu apressado pela porta enquanto o Espada Longa, com um olhar de maníaco, permanecia vigiando Ophelia.

Minutos depois o Celestial retornou com o bibliotecário.

- Você outra vez? - indagou. - Sabe quanto trabalho terei por conta do que você fez? - parecia irritado e falava na língua dos homens.

Ophelia queria manter-se impassível e, por um segundo, imaginou como seria se seu gelo atravessasse a garganta do Celestial; mas era inegável que a criatura tivesse seu direito de irritar-se, e, mais inegável ainda, era o fato de que ela não estava em condições de arrumar confusão. Tinha que fazer o jogo deles.

- Sinto pelo prejuízo que lhe causei - disse ela, parecia falsamente arrependida.

Um dos guardas murmurou alguma coisa para o bibliotecário.

- Não passei minha vida toda em livros para ser enganado por um rostinho bonito. E por favor, cale a boca: essa voz horrível de pássaro rouco está doendo meus ouvidos.

Ophelia irritou-se, e praguejou. Sua voz um dia foi o que ela mais adorava, mas agora, depois de trocá-la por poder, era incômoda para qualquer um que a escutasse. Apenas amarrou a carranca.

- Eles querem saber o que você estava fazendo aqui - continuou o bibliotecário. - Disseram que Septmus, nosso rei, a quer torturada pelo que fez.

- Não pretendo ser torturada - disse ela. - Diga que eu estava perdida, que esta foi a primeira civilização que encontrei e que tenho de ir embora; nunca mais colocarei os pés aqui.

O bibliotecário barbudo traduziu a fala da mulher. - Eles disseram que você nunca sairá daqui. Que será torturada até a morte.

- Diga que posso ser útil viva - continuou ela. - Posso trabalhar para eles e dar a vida de alguém no lugar da minha. Que posso dar-lhes favores mais íntimos, ou que posso ajudá-los quando eu conseguir a coroa - calou-se abruptamente. Sabia que havia falado mais do que devia; ou talvez assim queria que parecesse.

Bibliotecário traduziu as palavras da mulher e uma longa conversa na língua das Terras do Céu se iniciou entre os três. Todos saíram da sala e só retornaram horas depois. Quantas exatamente? Ophelia não saberia dizer.

Um Celestial diferente apareceu. - Sou Broxigar, intendente do rei - apresentou-se ele, seriamente e sem rodeios. - Dambus, o espantalho, está buscando a coroa; assim como muitos seres espalhados pelas Terras. Você terá de caçar alguns concorrentes se quiser a liberdade. Aceita? - parecia apressado e ia direto ao ponto.

- Aceito - respondeu Ophelia. Sentia-se aliviada pela proposta; afinal, não há como controlá-la, poderia continuar seu caminho assim que estivesse libertada.

Até então o intendente tinha as mãos escondidas nas costas. Rapidamente mostrou-as e parecia segurar nelas uma coleira de ferro fosco, ou qualquer material parecido. Prendeu-a ao pescoço da maga enquanto a mulher se debatia feito um animal selvagem.

- Filho da puta. Não sou um cão!

- Agora você é - disse o intendente, e só então a mulher notou como todos ali pareciam loucos, psicopatas, ou algo bem próximo disso. - Agora você será nossa cadela - continuou ele. - Três vidas deverão ser o suficiente. Depois disso estará livre. Nós a veremos sempre através do Orb; ele se conecta a sua coleira cadela - disse, acertando-lhe um tapa com as costas da mão. Um filete de sangue saiu do corte que restara nos belos lábios da mulher. - Um exército irá atrás de você se suspeitarmos de traição.

- Dê a ela um Pégaso e um maldito livro que a ajude a entender as línguas de todas as Terras - vociferou ele ao bibliotecário. - Alimentem-na - disse aos guardas. - Amanhã pela manhã dêem a liberdade a esta mulher para seguir seu caminho. Até lá ela é de vocês - disse ele com um sorriso de canto malicioso.

No cômputo geral, Ophelia decidira que poderia ter sido pior. Um pégaso, um livro de grande utilidade e uma meia-liberdade eram melhores do que morrer novamente; mesmo que tenha pagado um certo preço por aquilo, sentia suas coxas doerem e sangrava, mas aquilo melhoraria. E apenas três vidas eram necessárias para libertá-la de vez.

Na manhã seguinte, enquanto voava no glorioso animal branco para longe dali, sacou de um bolso seu baralho. Sorte era como chamava-o. Era um de seus dois objetos preferidos (junto com a obsidiana) e o carregava desde sua primeira vida. O havia comprado de um mercador sinistro, mas já fazia tanto tempo que não conseguia lembrar-se claramente da situação; apenas lembrava da estranha sensação que correu pelo seu corpo quando o tocara pela primeira vez. Desde então usava-o em momentos de dúvida.

Todas as cartas do baralho estavam em branco em um dos lados e negra com losangos dourados do outro.

- Diga-me Sorte, quem devo caçar primeiro? - perguntou Ophelia. Voando em direção as Terras Sagradas, satisfeita por ainda ter o mapa que roubara do livro na biblioteca. Sentia dor entre as pernas ao montar, e com certeza algumas cicatrizes lhe restariam; Celestiais passam de três metros de altura quando adultos.

Retirou uma carta aleatória do baralho e então uma luz dourada começou a surgir enquanto formas se desenhavam nela.

Uma imagem de um homem segurando com seu arco apareceu com algumas palavras embaixo da imagem. "Draco. Cidade dos Elfos."

Segundos depois a carta tornou-se inteiramente branca novamente.

Livro-jogo: A busca pela coroaOnde histórias criam vida. Descubra agora