Depois que eu desci da cadeira, Harry deu uma passadanao banheiro e voltou logo em seguida. Nos despedimos da doutora e saímos. Do lado de fora da sala, na sala de espera, ainda estavam Dhara e seu pai. Ela tinha adormecido em uma das cadeiras e ele se levantou e veio até nós.
O pai dela era alto, a pele como chocolate, calvo, e estava vestido de forma natural, nem arrumado e nem desleixado. Apenas natural, assim como eu e Harry.
- Olá, eu... queria agradecer a vocês. -ele disse. - Meu nome é Anthony e eu sou pai da Dhara.
- Olá
- Muito prazer - Harry apertou sua mão.
- Eu vim agradecer porque, mesmo Dhara sendo muito pequena, ela é fissurada em vocês dois. E vocês deram total atenção a ela. O normal seria aparecerem aqui lotados por seguranças, por isso num primeiro momento, até pensei que ela estivesse enganada e confundindo vocês com alguém normal.
- Eu não gosto muito de seguranças, Anthony - disse Harry - Me sinto como se estivesse com um monte de babás em cima de mim.
Anthony deu um sorriso e suspirou.
-Acho que não estou conseguindo me expressar bem, sabe... o que eu quis dizer é que vocês a trataram como qualquer outro. Quer dizer, como uma pessoa normal. Ela não está tao acostumada a isso.
Demorei uns segundos para raciocinar. Ele estava se referindo à pele negra da garota. Ela estava acostumada a ser discriminada quando chegava perto de pessoas. Por ser negra.
Meu coração se apertou.
Harry também havia entendido.
- Oh, não! Nunca faríamos isso. Dhara é sim uma criança como qualquer outra, e é linda - eu falei - Muito educada e carinhosa. Nunca a trataríamos de maneira diferente. Nós a adoramos. E seria maravilhoso encontrá-la de novo daqui a alguns anos.
Anthony baixou os olhos.
- Algo errado? - Harry perguntou.
- Esse prédio de hospital é dividido em várias alas. Há a parte da materninade, imagino que onde vocês estavam, há a de cirugias no andar de cima, e lá no fundo - ele apontou para o fim do corredor - há outras salas de consulta de diferentes tipos de médico. Garganta, estômago, intestino e afins. Dhara estava na ala infantil. Na área de leucemia.
Meu coração deu um pulo.
-O quê?! - dei um passo para trás.
- Faz poucos meses, descobrimos. Eu e a mãe dela estamos gastando tudo o que temos para termos o melhor hospital daqui, e só por Deus conseguimos uma vaga nesse.
Anthony se virou para mim com os olhos cheios d'água.
- Eu receio que você não vai encontrá-la daqui uns anos, senhorita.
Minha garganta se fechou. Olhei para Dhara dormindo na cadeira, um pouquinho torta, e vi a paz que a rodeava. Não era possível que já estava tão avançado assim. Deve haver algo que possa ser feito.
Como se lesse minha mente, Anthony disse:
- Como disse, descobrimos faz poucos meses, mas de acordo com os médicos, está aí faz tempo. E se espalhando. Rápido. - ele suspirou - Por isso eu vim agradecer a vocês. Fizeram desse o dia mais feliz da vida dela, e ela pôde fazer o que sempre sonhou antes de partir.
-Mas... é certeza? É certeza de que ela vai...?
- Sim. Não vamos desistir, vamos trazê-la aqui até seu último dia, mas ela não deve ter mais do que alguns meses de vida. Eu e minha mulher ainda não acreditamos que não vamos mais tê-la pela casa, nem ouvir suas músicas altas até tarde da noite -nessa hora, ele olhou para Harry, que sorriu fraco - nem ter sua alegria... Eu yenho certeza de que ela lembrará desse dia para o resto da vida. Vocês não se afastaram, não a discriminaram, conversaram com ela e ainda deram autógrafos...
Eu engoli o choro. Sentia que ainda havia mais uma coisa que ele queria nos contar.
-E quando vocês entraram na sala, ela se sentou perto de mim e sabem o que ela me perguntou? "Papai, eles viram que eu sou negra?".
O choro que eu não tinha deixado sair, saiu de repente. E saiu forte. Como uma garotinha de tão pouca idade já sofreu tanto assim por conta da cor da pele? Todos os seres humanos possuem melanina, que dá pigmentação à pele, aos cabelos, aos olhos. Quanto mais melanina, mais escura a cor. As pessoas negras só tem um nível de melanina na pele mais alto. Só isso. Por que tanta discriminação?
- Calma, anjo - Harry me disse e me abraçou de lado.
- Eu não sei o que dizer, Anthony -disse Harry - Sua filha é uma luz. Ela vai parar de brilhar aqui na terra, mas vai continuar brilhando eternamente por você e sua mulher. Aproveite com sua filha os meses que ainda restam, e quem sabe... um milagre pode acontecer. Conheço pessoas que nasceram com deformidades que não permitiriam que elas vivessem mais do que um ano, mas que agora estão com 30 ou mais e são muito felizes. Tudo pode acontecer. Faça sua filha a menina mais feliz do mundo todos os dias, como se fossem o último. E por favor, nos avise se algo acontecer. - Harry tirou um pedacinho de papel do bolso e escreveu o seu número de telefone nele.
Fiquei por um momento sem entender, mas Dhara havia mexido com ambos. Iríamos querer saber se algo acontecesse com ela.
-Muito obrigado, Harry. Foi um prazer conhecer você.
- O prazer foi nosso. Toda a sorte do mundo para você. E diga a ela que mandamos um tchau.
- Eu digo sim.
Saímos de lá e eu ainda estava em prantos.
-Ah, Isa... - Harry me abraçou - Calma... eu sei que é horrível, mas... o que podemos fazer?
Entramos no carro.
-Nada. É isso que me irrita -falei e puxei o cinto.
- Eu juro que eu queria poder fazer algo, Isa - ele disse enquanto dava partida- mas essas coisas existem, acontecem e não podemos mudar. Só podemos parar de pensar nelas por um momento para não ficarmos doidos com tanta coisa ruim.
- Só posso pensar que vem uma menininha para nós. E que se ela fosse negra, sofreria preconceito.
- Nós dois sabemos que ela não vai ser, e não podemos obrigar todas as pessoas do mundo a não serem racistas, mas podemos fazer nossa parte. Mostramos à Dhara hoje que não existem somente pessoas ruins, ela já sabe disso agora.- Sim... isso me conforta um pouco, eu acho... - suspirei.
- Bem, mudando um pouco de assunto -ele disse- Já arrumou suas coisas?
- Ainda não. Até esqueci da viagem, para te falar a verdade.
- Eu te entendo -pegou minha mão enquanto dirigia com a outra.
Aquilo me fez lembrar que eu iria para o Brasil com Harry, Luana e Louis dali poucos dias, então, assim que cheguei em casa, eu e ela já começamos a separar algumas roupas para levar.
Poucos dias depois, todas as malas de todos nós estavam prontas e já dentro do carro. Liam iria nos levar até o aeroporto e meu pai nos buscaria em São Paulo.
Nos despedimos de Liam, nos separamos de nossas bagagens e entramos no avião.
Próxima parada: Brasil
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Anonymous
FanfictionAnônimo: "Olá" - 19:45 Eu: "Quem é você?" - 19:46 Uma mensagem. Uma mensagem foi o suficiente para que Isabela conhecesse outra pessoa e nunca mais tirasse ela da cabeça. Mas qual era seu nome? Qual sua profissão? Ele nunca dizia. Dava pistas, mas...