86. Rest In Peace, Dhara

375 29 8
                                    

  - Sim - ele respondeu - Agora pouco. Ela teve uma parada respiratória espontânea...

  - Em qual hospital você está?

Eu perguntei, não o deixando acabar de falar. Fiz um certo esforço para pegar a caneta de volta do chão e anotei o nome do lugar com a visão meio embaçada pelas lágrimas que queriam sair.

  - Daqui a pouco estou aí.  -falei.

Desliguei o telefone querendo que não fosse verdade. Dhara era uma garotinha tão doce, tão... meiga e fofa. E linda! Partia meu coração ao saber que ela, tão pequena, já havia sido vítima do racismo, e partiu sem saber como de fato era a vida.

Liguei para  Lippe e pedi que ele localizasse Harry e o pedisse para que viesse para casa rapidamente.

Enquanto isso, fui tomar banho. Quando já estava praticamente pronta, ouvi a porta se abrir.

  - Isabela?? Isabela??? - ouvi ele me chamar.

  Fui até ele. Claramente, ele estava preocupado.

  - Aconteceu algo? -ele perguntou  - Está tudo bem com Sophia?

  - Sim, está..

Como eu iria contar sem chorar? Era impossível.

O abracei.

  - Dhara faleceu -falei baixo.

Ele ficou parado por um momento.

  - Eu sinto muito, anjo. Como sabe?

  - O pai dela ligou. Ela ainda está no hospital. Se arrume, preciso ir pra lá.

  - O que? Isa, eu entendo que queira ir, mas olha como você está e como está sua vida.  Tem que ficar de repouso agora enquanto pode.

  - Harry, eu nem vou te ouvir. Eu falei a Anthony que iríamos lá, então nós vamos lá.  E se você não for, eu vou sozinha.

Ele suspirou.

  - Tudo bem. Vamos. Mas... por que essa urgência?

  - Eu não... sei.

E eu realmente não sabia. Só sabia que aquela garotinha havia me tocado de uma tal forma, que me fez ter uma vontade imensa de cuidar dela pra sempre. Eu nem sabia que isso era possível, eu nunca havia tido contato com ela antes, mas mesmo assim, parecia que já a conhecia há seculos.

  - Tudo bem. Vamos -ele disse novamente e beijou minha testa.

E fomos.

A cada esquina, eu sabia que estávamos mais perto, e ao mesmo tempo que eu queria vê-la, eu não queria levar comigo a lembrança da visão de uma criança morta.

Mas agora já era tarde. Harry estacionou e antes de descermos, ele colocou uma touca e um óculos escuro para usar como uma espécie de disfarce, mas eu não peguei nada disso, e sabia que logo teríamos que sair correndo dali caso muitas pessoas nos reconhecessem.

Não acho que isso vá acontecer em um hospital, mas nunca se sabe.

Entramos e Anthony nos esperava. Trocamos poucas palavras com ele e com o restante da família.  Todos estavam abalados, obviamente, não era o momento certo para conversar.

Não pudemos ver Dhara. Ela estava sendo preparada para ser levada até o velório dali a algumas horas.

A veríamos no outro dia somente.

Não fiquei exatamente chateada com isso. Era muita informação para um dia só.

Passei uma noite conturbada. Não consegui dormir. Nem Harry. Conversamos a madrugada toda, e quando amanheceu, o sono bateu.

Saímos de casa às 9h00 e chegamos no velório às 9h30. Eu não gostava muito desse lugar.

Estava silencioso. Poucas pessoas. Ela nem teve a chance de conhecer tanta gente assim e provavelmente sua família não era tão conhecida.

Entramos.

Novamente, poucas palavras trocadas com Anthony. Se ele falou pouco quando me ligou, agora estava falando 10X menos.

Dei um aceno com a cabeça para as pessoas de lá, que retribuíram, e me aproximei do caixão.

Era branco, com detalhes em dourado. Dhara estava posta dentro dele com os cabelos mais cacheados do que nunca, a expressão serena, uma coroa de flores sobre sua cabeça e coberta de lírios desde os pés até um pouco acima da cintura. Em suas mãos havia um pequeno terço branco.

Apertou-me o coração vê-la daquele jeito. Uma criança. Agora morta. Deve estar encantando os anjos com sua risada.

Senti Harry atrás de mim. Ele pegou minha mão e aproximou o rosto de Dhara, dando-lhe um beijo no rosto. Fiz o mesmo.

Concordamos que já era o suficiente. Eu estava ficando deprimida, e ele não estava muito melhor do que eu.

O dia se seguiu bem calmo. E quieto. Chegamos em casa, ele havia trazido umas roupas então tomou banho aqui. Nos deitamos para tentar recuperar a horrível noite de sono que tivemos e acabamos acordando só à noite.

Eu já havia me acostumado com a ideia da partida da garotinha, ainda achando uma pena e me sentindo mal, mas pensando que talvez foi o melhor para ela. Dhara se foi sem que o câncer a destruísse. Se foi em paz.

AnonymousOnde histórias criam vida. Descubra agora