Capítulo 29

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Milla não sabia onde estava, mas algo lhe parecia errado, sua memória estava confusa demais para lembrar como tinha parado ali, em pé de frente a casa em que crescera. Ela sabia que há muito tempo aquela casa já não era mais do jeito na qual olhava agora, a tábua de madeira escura da varanda tinha sido substituída à alguns anos, bem como as grades de madeira e as plantas ornamentais que sua mãe gostava de cuidar, contudo, todas aquelas coisas ainda estavam ali.

O som de uma porta de carro sendo fechada lhe tirou dos devaneios, assustada, Milla olhou rapidamente para trás e entendeu o que estava acontecendo, o antigo Ford F150 vermelho ferrugem que sua mãe tinha quando Milla era criança estava estacionado, dele uma mulher baixinha e magricela de cabelos negros entrançados estava indo para a caçamba, duas crianças saíram logo depois, seus sorrisos alegres iluminando a cena, entretanto essa luz não atingiu ela, o desespero por saber o que estava acontecendo foi maior do que a alegria de ver seu passado tão claramente, até porque, Milla começou a lembrar o que estava prestes a acontecer.

-Será se o papai já chegou? – a voz da sua pequena versão soou estranho nos ouvidos mais velhos, mesmo assim, Milla sabia que aquela pequena menina de olhos puxados era ela. Seu cabelo curto com a franja cobrindo a testa era o mesmo das fotos que viviam espalhadas pela atual casa de sua mãe, seus olhos já não eram tão puxados como sua versão pequena, havia perdido aquele traço quando crescera.

-Duvido muito... Ajudem-me aqui, meninas.

-Vou pegar os pesados! – gritou Emilly correndo para perto de sua mãe, esperando que a mulher lhe entregasse algo.

-Ainda é muito nova para isso. Leve esses.- A pequena Milla dera risada de sua amiga mais nova, mas não por muito tempo ao perceber que ela que levaria os "pesados".

Milla tentou gritar ao ver que as mulheres estavam indo em direção a casa, mas não encontrou sua voz, o desespero tomando controle de suas ações não foi o suficiente para fazer sua voz sair, não conseguia nem ao menos se mover, tudo o que pode fazer foi observar hipotente enquanto gritava mentalmente, pedindo para que elas se afastassem, que fossem embora. A mulher fechou os olhos com força querendo que tudo aquilo desaparecesse, queria abraçar-se com força até sumir daquela lembrança, mas nada adiantou.

Os sons das risadas e passos das crianças no piso de madeira havia ficado mais alto, ela sabia onde estava agora, pois lembrara, aquela era uma memória indesejada, já a tivera antes, tantas vezes quanto possível, durante muitos anos fora tudo o que conseguiu lembrar e viver, sempre atormentada pelo passado.

Sabendo que só acordaria quando tudo aquilo acabasse, Milla juntou forças para abrir os olhos e viu as duas crianças correndo pela casa para colocar suas sacolas de compras na cozinha. Milla respirou fundo se preparando para o que veria em seguida, mas estar preparada nunca havia de fato adiantado.

A pequena Milla foi o primeiro a vê-lo, contudo não tivera tempo de fazer nada, o enorme homem fora mais rápido ao puxá-la para próximo de si, apesar de estar vendo em terceira pessoa, Milla conseguiu sentir na própria nuca o metal frio da arma que ele apontara para sua cabeça, sem pensar, a mulher acabara olhando para o rosto do homem e se arrependeu disso, mesmo se preparando para a lembrança, nunca conseguia suportar vê-lo... olhar sua face monstruosa era sempre perturbador demais. Os olhos verdes e cruéis do homem encaravam com diversão algo a sua frente, um sorriso depravado escurecia suas feições doentias, a lembrança daquele rosto fez os olhos de Milla lacrimejarem, o terror crescendo cada vez mais dentro de si.

O baque das compras que sua mãe deixara cair lhe acordou do momento de desespero.

-O que você... Por favor, solte a minha filha. – pediu miseravelmente sua mãe, afastando as mãos do corpo de forma rendida.

Torrent - Novas espéciesOnde histórias criam vida. Descubra agora