Capítulo 31

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A maioria de nós não percebe o quanto o mundo ao nosso redor é ruidoso. O motor dos veículos nas ruas, vozes distantes, máquinas sendo operadas, tudo isso misturado com a infinidade de sons das mais diversas tarefas diárias que se desenrolam simultaneamente. É durante a madrugada que percebemos o quanto estes sons, ou melhor, a falta deles, fazem diferença, pois até mesmo o clique de um interruptor parece estalar mais alto que o normal.

O mundo inferior, no entanto, não tinha madrugada como o mundo dos vivos. O período da noite, do descanso, não existe. Mortos não dormem, mortos não descansam.

Naquele momento porém, o Mundo Inferior experimentou o silêncio da madrugada pela primeira vez em sua história. Não, os mortos não dormiram, congelaram. O conceito de que, quem já está morto não tem mais nada a temer desapareceu naquele instante. Nenhuma alma se movia, nenhum monstro fazia som algum. Até mesmo o ar atrevia a mexer quando Tártaro se ergueu das profundezas. Dizer que não se escutava uma alma viva seria uma piada de extremo mau gosto.

Todos os olhos estavam completamente focados na massa negra que se erguia da nuvem de poeira e monstros dizimados remanescentes da fugaz batalha ocorrida há pouco. A parca luz existente no Mundo Inferior parecia ser sugada para o vórtex, tornando o lugar ainda mais sombrio e desolador a cada centímetro de seu avanço. Pouco a pouco, a massa negra foi tomando forma. Da escuridão, quatro colunas se solidificaram, articulações surgiram, formas se definiram. O vórtex negro se transformou em algo semelhante a um corpo desprovido de luz, cuja existência só era possível perceber, pois se assemelhava a um rasgo na realidade, se alimentando dela e do desespero que a permeava.

Apenas uma criatura não estava apavorada. Apenas um ser não exalava desespero. Apenas um semideus assistia ansiosamente os avanços de Tártaro. Percy Jackson sorria.

O semideus nunca esteve tão consciente de tudo que ocorria a seu redor antes. Mesmo sua TDAH parecia ter desaparecido no fundo de seu subconsciente ou então expandido a um novo nível. Ele conseguia registrar a queda da poeira deixada pelo passo de Tártaro, estimar a distância exata que o ser estava, prever quantos segundos levariam para que ele o alcançasse e ainda sentir todo o Mundo Inferior o observando. Das águas dos rios às almas no Campo de Asfódelos, ele estava consciente de cada detalhe.

Após o que parecia ser uma eternidade, a manifestação de Tártaro parou há pouco mais de 10 metros do semideus e tomou forma. As botas de ferro negro, as grevas, o saiote de ossos retorcidos seguros pelo cinto de braços monstruosos. O mesmo peitoral de faces borradas de monstros e gigantes e, o mais assustador item, o elmo de rocha e metal disforme, feito de pedaços pulsantes de magma, encobrindo a espiral de escuridão que agora estava onde o rosto de Tártaro deveria ficar. Percy se lembrava bem dessa imagem. Dos itens da armadura aos músculos roxos, grossos e reluzentes. Era a imagem de seus piores pesadelos, a imagem que o atormentava noite após noite e que, por muito tempo, fazia até mesmo com que o garoto experimentasse crises de ansiedade e ataques de pânico. Não dessa vez.

- Se soubesse que iria demorar tanto, teria tirado uma soneca. - Percy disse, o mesmo sorriso debochado no rosto.

- Se soubesse que está tão ansioso pela morte, teria me apressado. - Tártaro respondeu, o som semelhante a um terremoto demolindo montanhas. - Mas acho que morte não é o nome correto para o que eu vou fazer com você.

- Quero ver você tentar. - Percy desafiou. Por fora, o garoto aparentava a auto-confiança, beirando a arrogância, de Zeus. As mãos nos bolsos, os ombros caídos, relaxados, a forma de falar, tudo demonstrando o mais completo desinteresse. Porém, internamente, a adrenalina corria em suas veias como fogo. Uma de suas mãos tinha Contracorrente firmemente presa no punho, ainda em sua forma de caneta, enquanto a outra mão invocava o poder da esfera de Poseidon, lentamente, para não causar um alarde repentino e torcendo para que a presença de Tártaro ofuscasse o poder que se acumulava em seu bolso.

Percy Jackson e Annabeth Chase - A Vingança de TártaroOnde histórias criam vida. Descubra agora