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Todoroki Fuyumi era uma pessoa chorona, ela sabia.
Fuyumi chorou nos dias em que Natsuo e Shouto nasceram. Ela chorou na primeira vez que foi para a escola e também chorou para cada dente que perdeu ou para cada vez que arranhou os joelhos.
Fuyumi chorou no dia em que sua mãe, enlouquecida, foi tirada de cima de um Shouto esbravejando de dor. Ela chorou quando a mulher não voltou para casa após ser arrastada pelo pai para 'tratamento'. Chorou quando Touya foi embora e também em todas as vezes que escutava seu irmãozinho lamentar do dojô.
Ela chorou quando teve autorização para começar a visitar a mãe. Chorou junto com ela, em seus braços, em meio ao lamento daquilo que jamais poderia ser desfeito. Chorou quando conseguiu se tornar professora e também quando Natsuo foi para a faculdade, finalmente livrando-se do fardo que era o lar Todoroki.
Ela chorava ao cortar-se com papel, ao receber uma carta ou mesmo um desenho de seus alunos. Ela chorava ao escutar uma música triste ou assistir um filme de romance. Ela chorava quando a chuva caia, lembrando-se de seu passado e imaginando o futuro.
A única vez que Fuyumi não chorou foi quando Shouto desapareceu. Por que chorar por Shouto seria traí-lo, seria desejar que não tivesse saído e isso, ela não podia fazer. Ela amava o irmão demais e incondicionalmente e, por isso, não podia chorar.
Lágrimas vinham, separadas e ocasionalmente, desde então. Silenciosas durante as horas mais profundas da noite elas eram as responsáveis por liberar tudo aquilo que sua voz estava proibida de fazer. Algumas congelavam às vezes, em perfeito formato de gota, lembrando-a ainda mais do doce garotinho que ela nunca se sentiu corajosa de defender.
Mas ela não choraria por Shouto. Ela lhe devia muito, lhe amava muito para fazer isso.
Aquela era outra noite, então, em que ela permitia-se descarregar suas emoções agarrando-se a fotos velhas e lembranças erráticas. Era uma das noites, entre tantas, que esperava o bater delicado na janela, em praticado padrão, antes de correr até ela e abrir fazendo o mínimo de barulho.
"Hey Fuyu." Saudou seu amado irmão, único mais velho do que ela, enquanto abria os braços e esperava que ela entrasse. Oh, como amava abraçar Touya, lembrar que ele ainda estava vivo, ainda respirava.
A pele cicatrizada de seu rosto não a impedia de ver a criança com quem cresceu, que parecia carregar o mundo em suas palmas e a razão em suas palavras. Se ela pudesse voltar para aqueles dias em que Touya era quem secava suas lágrimas, então, talvez...
"Seu idiota." Eram suas primeiras palavras para o outro em semanas, mas não se importava para nenhum dos dois. "Eu me descuido uns dias e quando vejo Shouto está de volta para as notícias. DUAS VEZES, Touya! Eu não sei o que vocês estavam planejando com aquilo. Se eu soubesse que ia ser assim...
"Então o que?" O tom era divertido. "Você não teria me pedido ajuda?"
"Não diga besteiras. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e você sabe disso. Foi o melhor a fazer por mais que seja difícil."
Nunca se arrependeria de abrir as portas naquele dia. Nunca se arrependeria de mover céus e terra em busca de seu desaparecido irmão. Nunca se arrependeria de finalmente conseguir contatar Touya e implorar para que levasse Shouto. Nunca voltaria atrás na decisão de mentir para o pai e despistar a polícia, impedindo que as boas intenções trouxessem o garoto de volta para o inferno.
Então ela sorria.
Sorria quando queria chorar e fugia quando não podia sorrir. Ela entrava em roupas gastas e perdia-se em cidades esquecidas por Deus, quando podia, e abraçava aqueles que tinham visto a ruína tão cedo.
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A crueldade em meu mundo (o amor sob suas pálpebras).
FanfictionEle contava os dias, era algo sobre si. Contava os dias em que esteve no inferno. Contava os dias até o momento em que poderia fugir de lá. Contava os dias sem a presença de sua mãe e os dias após a partida de seu irmão. O que ele não contava era qu...