Para Touya o frio era azul. Era vermelho.
Era a atitude do pai e a imagem que o espelho lhe devolveu durante anos sempre que tinha coragem de olhar para ele.
Quem diz que azul é a cor mais quente não conhece Todoroki Enji. Sim, seu Quirk se chama HellFire, mas seus olhos carregam todo o gélido egoísmo que um ser humano é capaz de manter. Não importava de nada para Touya o fogo sobre a pele: Enji era mais frio do que pedra, o gelo de sua mãe ou o inverno mais brutal.
Não importava de nada a confiança que o azul deveria inspirar. Ao lado de Enji ele apenas era capaz de sentir medo e nojo. Desatino.
Lealdade e sabedoria? O único conhecimento que a cor trouxe para sua família foi o do desprezo e dor.
Em uma simbologia em que o azul deveria representar a pureza, onde se encaixava o turquesa dos Todoroki?
Talvez seja por isso que, apesar de tudo, o azul seja considerado uma cor fria, a mais de todas, mesmo tendo a temperatura de combustão mais quente que as demais. Talvez fosse por isso que os cenários mais inóspitos do mundo fossem tomados por azul.
Ou vermelho.
Ambas as cores que eram consideradas opostas conviviam na figura de um único homem, tão harmoniosamente, que trazia pesadelos para aqueles que deviam sentir-se assegurados por sua presença.
Física e quimicamente falando, o azul sim queimava muito mais do que o vermelho. Touya aprendeu isso em sua própria pele afinal. As cicatrizes e retalhos em seu corpo eram a prova viva de como aquele ser o condenou, a partir de seu próprio egoísmo, a um poder que nenhum deles era capaz de controlar sem consequências.
O fogo de Touya não era o fogo de Enji. Por mais que o azul de seus olhos se repetisse, ele não estava limitado aos orbes. Azul dominou as chamas também.
Endeavor nunca teve chamas azuis. Não da forma que Touya fazia pelo menos, natural e instintivamente saindo de seu corpo. Endeavor nunca alcançaria a capacidade de controlar o fogo mais intenso existente com cem por cento de maestria, sem descanso.
O que o faria pensar, então, que uma criança poderia?
Endeavor nunca precisaria conhecer a agonia de queimar a própria pele, sentir o cheiro da sua carne se desintegrando e saber que a razão daquilo estava vindo dele mesmo. Nem toda a tolerância a altas temperaturas que o homem já carregava em seu código genético foi capaz de garantir ao rapaz a capacidade de adaptar-se a aqueles milhares de graus a mais.
Tão egoísta homem, fazendo filhos incompletos e renegando-os por isso.
Touya lembra como se fosse ontem do dia em que suas chamas mudaram de cor. Do júbilo no rosto do monstro em contraste a agonia em sua pele. A dor de ter seu próprio tecido adiposo derretido de maneira irreversível era algo que, na época, o adolescente não desejava a ninguém.
Homem covarde, impondo em Touya aquilo que ele mesmo era incapaz.
Foi por Isso que Touya sentiu-se feliz enquanto Fuyumi crescia e seu simples Quirk não era o suficiente para Enji. Foi por isso que Touya agradeceu a Deus quando o aniversário de Natsuo chegou ano após ano e nada se manifestou, relegando o garoto ao esquecimento junto de sua irmã.
Foi por esses mesmos motivos que Touya sentiu-se profundamente apavorado ao conhecer Shouto, com seus fios vermelhos e prata. Seus olhos azuis e cinza, sua pele quente e fria. A mistura perfeita de duas pessoas completamente imperfeitas.
Shouto nascera uma quimera, algo não natural resultante de todos os esforços de Enji em produzir uma arma biológica perfeita. Shouto nascera aquilo que praticamente ninguém mais era: duas crianças em apenas uma, duas identidades em um mesmo corpo e formando uma mesma mente.
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A crueldade em meu mundo (o amor sob suas pálpebras).
FanfictionEle contava os dias, era algo sobre si. Contava os dias em que esteve no inferno. Contava os dias até o momento em que poderia fugir de lá. Contava os dias sem a presença de sua mãe e os dias após a partida de seu irmão. O que ele não contava era qu...