A crueldade em meu mundo (o amor sob suas pálpebras).

Natsuo

Algumas vezes Natsuo pensaria ter nascido com uma benção, em outras com uma maldição.

Ser Quirkless na grande família Todoroki era algo inconcebível afinal, da forma que Enji sempre havia deixado claro para o menino. Ele se dera ao trabalho de comprar sua mãe e mesmo assim Natsuo não havia sido capaz nem de desenvolver a mais simples das habilidades? Contraproducente era a palavra mais educada que Enji encontrara para defini-lo.

Era uma maldição então, ser relegado ao esquecimento sem nem mesmo ter a chance de tentar se provar. Fuyumi e Touya haviam tido a infeliz oportunidade de mostrar para seu pai uma parte de até onde eles poderiam ir, quem poderiam vir a ser, mesmo que o homem guspisse em seus esforços.

Seus irmãos poderiam ter sido excelentes heróis. As chamas de Touya eram incríveis, eram lindas e tudo que qualquer pessoa com um Quirk de fogo gostaria de alcançar, mas não foi o suficiente para Enji. Não com o corpo frágil e os limites que o menino possuía. O tão chamado herói quebrou o próprio filho em busca de algo que ainda hoje sua família era incapaz de aceitar.

Fuyumi também. Seu Quirk de gelo poderia ter tornado a menina em uma heroína com poder inalcançável se ela quisesse. O caráter e gentileza de Fuyumi teriam a transformado uma das profissionais mais amadas da indústria se ela chegasse a isso. Mas era apenas gelo e água. Não tinha fogo. Não era a mistura e, portanto, uma falha.

Fuyumi era feliz, mesmo assim. Ela encontrara na educação sua inspiração e a sua aspiração de ser professora fez com que ela conseguisse seguir em frente. Da melhor maneira possível ela estava livre .

(Quanto a Shouto... bem, todos sabiam como Shouto havia acabado.)

E havia Natsuo então. Tão imperfeito Natsuo que nasceu sem nada naquela família que deveria ser tudo. Natsuo que nunca recebeu a mais simples palavra ou reconhecimento do pai. Natsuo que escapou dos 'treinamentos' e tardes num dojô abafado.

A maldição de Natsuo era nascer um Todoroki.

A benção de Natsuo era não ser bom o suficiente para ser reconhecido como um.

Ele percebeu isso razoavelmente rápido: não havia para ele a mesma rotina que seus irmãos antes que Enji desistisse de seus treinamentos, já que jamais fora treinado em nada. Não havia cardápios específicos e nem metas e expectativas para alcançar.

Natsuo tinha apenas algumas brincadeiras nos minutos livres de Touya e Fuyumi e seu velho computador nos momentos em que o homem lhe obrigava a ficar sozinho. Ele tinha tanto a mente quanto o tempo livre para fazer o que quisesse, aprender qualquer coisa, sem que ninguém se incomodasse em checar o que ele estava fazendo.

Foi assim que Natsuo entrou no mundo da engenharia de informação, numa idade em que qualquer outra criança estava apenas focando-se em jogos como paciência.

Foi assim que ele acabou entrando em lugares da internet que não deveria, conhecendo pessoas que de outra forma jamais conheceria.

Esqueça gelo e fogo. A vida de Natsuo, já em tenra idade, era definida por 0s e 1s. Ela resumiu-se a códigos de segurança e linguagens que nunca existirão fora de um ambiente virtual.

Tem quem diga que a falta de algo estimula as pessoas a desenvolverem demais habilidades. A falta da visão vai potencializar a audição. A falta de um membro vai potencializar a utilização dos demais, mesmo que não seja do lado dominante.

Natsuo Todoroki nunca desenvolveu fogo, mas ele aprendeu a desenvolver programação. Ele aprendeu a procurar falhas e bugs pacientemente, cutucando em lugares que pareciam interessantes. Desistindo de lugares que não valiam tanto à pena.

Ele nunca conseguiu controlar gelo nem água, mas depois de anos ele foi capaz de lidar com diferentes linguagens e sistemas operacionais. Ele foi capaz de reescrever sequências e códigos, montar identidades ou apagá-las.

Mais importante de tudo: ele foi capaz de chegar aos arquivos e informações de seu pai. Ele aprendeu diretamente com o homem a colocar múltiplas frentes, conforme necessário, e cavar seu caminho pouco a pouco. Sempre em busca daquilo que queria.

Deixe que o homem continue o tratando como um inválido então. Isso lhe dava liberdade.

Deixe que o homem lhe veja como algo que precisa estabelecer longe de si. Isso lhe dava uma faculdade e, mais importante de tudo, um álibi.

Ele poderia ser um bom advogado. Ele poderia queimar o dinheiro do velho (mais do que o necessário), num curso que nunca usaria de verdade, enquanto investia seus próprios soados trocados em aprender aquilo que queria. Natsuo estava tranquilo, coletando informação, aprendendo coisas aqui e ali, enquanto construía seu próprio castelo de cartas.

O mais divertido nessa atividade, afinal de contas, era quando tudo caía.

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Para Enji Todoroki, Natsuo nada mais era do que poeira.

Para aqueles que realmente importavam, Natsuo era Spec.

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Spec, qualquer um que estivesse fundo o suficiente na internet sabia, nunca brincava em serviço.