A crueldade em meu mundo (o amor sob suas pálpebras).

Ponto comum

-450

Chame Toshinori de covarde, mas ele preferiria estar em qualquer lugar naquele momento que não fosse exatamente ali. Sentado na desconfortável cadeira com assento aveludado, o ex herói Nº 1 tentava olhar para alguma direção que não fosse necessariamente os olhos de seu antigo ajudante, que lhe encarava como se quisesse lhe arrancar pedaços.

(Ele não tremia com isso na cadeira, apertando seus dedos na barra de seu horrível blazer banana. Não, claro que não.)

Neomasa, o traidor, sentava-se ao seu lado completamente alheio ou ignorante, propositalmente, de seu desconforto. Em suas mãos o telefone repousava serenamente e vez ou outra vibrava com alguma notificação de mensagem, essas sendo respondidas no mesmo momento. Toshinori era completamente ciente de tudo em seu entorno, desde o zumbido do ar condicionado até o olhar arregalado que o jovem Togata dava-lhe de sua própria mesa.

Ele não o culpava é claro. A maior parte de suas interações com os alunos estava completamente reservada aos estudantes do primeiro ano, em particular a 1-A, sendo que ele era inexperiente demais em docência para poder assumir alunos e ensinamentos mais complexos. É claro que ele estava aprendendo, da mesma forma que sabia já ter melhorado consideravelmente desde que começara há alguns meses, mas sinceramente, ainda havia uma longa estrada pela frente.

Essa estrada incluía, pelo visto, ter de confrontar o seu antigo parceiro, com quem se separou em termos nada bons. Apenas vagamente ele perguntou-se o que diria a população do país ao saber que, naquele exato instante, seu herói favorito tremia como uma vara verde. Ele poderia rir se não estivesse quase com vontade de chorar.

"Confesso que, quando o detetive aqui me contatou a respeito da possibilidade de troca de informações, eu não imaginava que você estaria sendo trazido junto, All Might." O tom de Night Eye era estridente, sua fúria e mágoa mal disfarçadas (se é que ele estava tentando disfarçar). Por todas as paredes, diferentes ângulos e rostos de Toshinori o encaravam, como se o condenando. Vagamente ele se pergunta se havia, em algum mundo, um fã tão dedicado a ele quanto Nighteye a ponto de transformar todo o ambiente em uma sala de veneração a All Might...

Parecia impossível (graças aos céus).

"Isso é culpa minha Nighteye." interrompeu Neomasa no tom traquilo que ele sempre usava com o homem. "Toshinori aqui e eu estávamos voltando de uma visita que fizemos..." Disse desconfortável, provavelmente lembrando-se do estado de espírito do próprio Toshinori ao encarar a tumba de sua amada antecessora. "E decidi que seria melhor que Toshinori simplesmente tivesse essa conversa de uma vez... "O 'antes que se acovardasse novamente' fortemente implícito.

Após a visita a All for One, três dias atrás, Toshinori decidiu que uma das melhores formas que concertar seu passado seria não mais fugir dele. Ele devia isso a Nana, a seu filho que ela entregou para a adoção e, consequentemente, ao pequeno Shimura Tenko, que acabou sendo levado para o meio daquela bagunça sem retorno que fora a guerra entre All for One e One for All.

Nada que ele pudesse dizer ou fazer, tiraria a culpa de nunca, sequer uma vez, preocupar-se com a localização ou estado do garoto que poderia ser quase um irmão, visto como ele quase considerara Nana sua mãe. Se não por Sakusa, ao menos Toshinori poderia ter estado em algum lugar por Tenko.

(Ele poderia ter salvado aquela criança, ao invés de ter de caçá-lo para colocá-lo na cadeia. Sendo franco Toshinori estava completamente cansado de ser indiretamente responsável pela corrupção de tantos jovens... eram quantos já? Três?)

Toshinori devia a sociedade pelo fato de suas atitudes e ego terem criado uma barreira entre a expectativa e a realidade do heroísmo: Heróis eram apenas humanos. O pedestal em que pessoas como ele e Todoroki Enji havia colocado sua classe trabalhista, apenas estava alienando as pessoas muito mais do que as ajudando.