Capítulo 31

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Antônio

- Eu fiquei órfã aos três anos de idade - Celina começa quando sentamos na areia, sem rodeios - meus pais saíram para um passeio de barco para comemorar o aniversário de casamento e o barco pegou fogo - ela faz uma pausa para respirar - eu nunca soube muito bem os detalhes porque era só uma criança e nos orfanatos que fiquei esse tipo de informação era proibida, nós não tínhamos muito contato com o mundo exterior. - outra pausa, dessa vez ela me olha e parece nervosa com a história - estou te contando desde o princípio para que você possa entender, é a primeira vez que falo abertamente sobre isso e preciso ir até o final.

Concordo com a cabeça, não tenho nem o que falar agora. Ela está se abrindo comigo e é nisso que devo me focar, apesar da vontade de abraça-la e apenas aproveitar sua presença, com medo de que se ela parar de falar, possa ir embora.

- Eu sempre fui uma criança diferente, estava sempre excluída dos outros, nunca fazia amigos e quase nunca recebia visitas, então nunca criei uma expectativa em ser adotada, eu sabia que meus pais não tinham me abandonado, eles morreram, por isso eu estava ali. Não encontraram parentes próximos para que eu pudesse ficar, por isso vivi nos lares adotivos. Até que quando fiz quatorze anos, um homem apareceu alegando ser meu tio, irmão de meu pai. Ele dizia achar que eu havia morrido no acidente com meus pais. - ela começa a falar mais baixo, é evidente que as lembranças lhe causam dor - demorou um tempo até confirmarem que ele realmente era meu tio, depois disso ele me adotou - ouço-a respirar fundo e então prosseguir - ele tinha uma esposa, eu fiquei feliz por ser adotada por alguém que tinha o meu sangue e enfim poderia sentir ser amada, era só isso que eu ansiava. Eles me puseram na escola e o primeiro mês foi perfeito, ele sempre passava no meu quarto quando eu deitava para verificar se estava bem. Só que no mês seguinte as coisas ficaram bem ruins. - a voz de Celina não passa de um sussurro, isso é difícil para ela - a primeira vez que aconteceu foi de forma muito sucinta, ele se deitou na minha cama e passou a mão nas minha partes íntimas. A segunda vez ele fez com que eu tocasse as partes íntimas dele com as mãos e com a boca. - fecho as mãos em punho quando ela começa a relatar a última parte, olho para ela e é evidente o quanto está tremendo.

- Celina...

- Não. Não. Me deixa terminar. Eu preciso disso. Depois que eu terminar você pode falar e decidir o que quer fazer. - lágrimas escorrem de seu rosto bonito, agora marcado por uma tristeza que sempre esteve ali e eu nunca pude enxergar.

Fecho meus olhos sentindo uma dor fodida. Eu mataria esse filho da puta com as minhas mãos. Imaginar como a minha mulher sofreu é como o maldito inferno.

- Já na terceira vez, bom, você já deve imaginar que nada melhorou né. Ele me estuprou três vezes naquela noite.

- Filho da puta. E a mulher desse cara? Onde ela tava que não percebia isso acontecendo? - pergunto contendo minha vontade de puxa-la para mim. Isso não resolveria agora.

- No quarto ao lado. Eu nunca soube se ela de fato não sabia ou se sabia e não fazia nada. Tudo mudou depois daquela noite. Eu comecei a engordar, acho q numa forma de tentar me preservar. - ela ri amarga entre o choro - o que não adiantou muito. Foram quatro anos vivendo esse inferno. Até que um dia, pouco depois do meu aniversário de dezoito anos, era minha formatura da escola. Eu estava um pouco atrasada, por isso me formei tarde. Ele não me deixou sair aquela noite. Abusou de mim de todas as formas possíveis e impossíveis. Eu sentia muita dor, tudo em mim doía, mas meu coração, ele estava oco, não havia mais nada nele, nem esperança. Foi quando eu fugi, depois dele capotar exausto, eu tirei forças não sei da onde e fugi, com um único vestido esfarrapado no corpo e foi aí que eu conheci a Julieta.

Não a interrompi, mas queria. Queria que ela parasse de falar e soubesse que à partir de agora tudo ficaria bem. Só que ela precisava disso, precisava se libertar do seu passado. Nessa altura do campeonato quem chorava era eu.

- Julieta me encontrou caída na beira da estrada, cansada do que havia acontecido e de tanto andar. Ela me levou pra casa, me medicou, cuidou de mim até que eu me sentisse preparada para encarar o mundo. Foi quando eu descobri que ela era dona da fabulous e o que era aquele mundo. De início ela não queria que eu trabalhasse, mas eu fiz uma vez e quando vi aquela quantia exorbitante de dinheiro na minha conta, eu achei que poderia fazer aquilo sim, que poderia dar certo. Foi aí que eu comecei a usar o sexo como válvula de escape. Se eu tava estressada, frustrada, feliz, com raiva, triste, eu buscava sexo pra ficar melhor. E foi aí que eu conheci você.

Celina olha para mim e desde a hora que nos encontramos, agora é a primeira vez que vejo seu rosto suavizando, quase como a minha Celina de um mês atrás.

- Tony, você tem noção do que fez comigo? Você foi como um anjo que me salvou de mim mesma. Você estendeu sua mão e me fez baixar a guarda sem nem saber quais eram os demônios que me aterrorizavam. Esteve ali, do meu lado o tempo todo. Você me amou Antônio, ninguém nunca antes havia me amado. Me deu uma família, eu nunca tive uma família. Você deu amor, me fez feliz, trouxe esperança. Me deu tudo aquilo que eu nunca tive e não me achava merecedora. Mas eu nunca retribuí, eu nunca dei valor e quando eu deveria ter segurado a sua mão e me apoiado no seu​ amor, eu fui embora.

Ouvi-la dizer isso faz meu coração doer, doer pelo tempo em que fiquei sem ela. Senhor, como eu amo essa mulher. Celina se vira de forma que fiquemos um de frente para o outro.

- Ele voltou - ela joga assim, do nada - Claudio, o meu tio, voltou. Depois que eu fugi nunca mais o vi, só que naquele dia que fui no meu apartamento buscar minhas coisas para ir pra sua casa, ele estava lá, havia revirado todas as minhas coisas e me ameaçou. Ele disse que eu tinha que ir para sua casa e terminar com você, não poderia contar o que estava acontecendo, tinha que deixar a entender que estava te deixando porquê não te amava. Ele falou, que se eu não fizesse assim, ele saberia e mataria você e a sua família - ela soluça alto - eu não podia deixar isso acontecer​ Tony, eu não me perdoaria se algo acontecesse a você e a sua família. Porquê eu sei que ele é capaz foi ele quem matou os meus pais.

Ela conta o que ele disse sobre o motivo de ter matado os pais dela e que abusava dela como forma de pagamento do que os pais dela fizeram a ele. É uma história fodida, há muito a se pensar​, eu preciso arrumar um jeito de pegar esse cara. Celina conta também que ele tentou estupra-la depois que voltou e que foi o autor dos machucados em seu rosto. Saber que ela me deixou por conta de uma ameaça é ainda pior do que antes.

Sem poder me conter mais, abraço-a forte, inspirando o cheiro do seu cabelo e enfim sentindo o calor de seu corpo. Eu vou protege-la. Custe o que custar. Não vou tirar mais os olhos dela.

- Olhe para mim. - peço e ela o faz. Tão linda - nós vamos levantar agora e vamos para a minha casa, juntos, e vamos pensar num jeito de resolver tudo. Vou ligar para o meu pai e irmão e nós vamos dar um jeito de prender esse desgraçado logo.

Celina nega com a cabeça, os olhos arregalados.

- Não. Eu não posso, se eu fizer isso ele vai fazer mal para a sua família.

- Não vai, eu não vou deixar. Tudo vai ficar bem. Não há chances de eu te soltar agora.

Ela sorri, ainda com os braços enrolados em mim.

- Promete?

- Prometo.

- Eu amo você Antônio Lacerda, mais que tudo no mundo.

Meu coração falha mais uma vez, essa mulher é mestre nisso. Porra, ela me ama! Esperei tanto por ouvir isso.

Sorrio sem poder me conter.

- Eu é que te amo mais do que você possa imaginar.

Darling (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora