Bloody Sands Of Time

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    Nosso cérebro não pode sentir duas dores ao mesmo tempo. É uma ação involuntária dos neurônios, mas sendo tão complexo como é a sempre uma explicação plausível para essa pequena falha.

    Prioridade. Entre ambos os possíveis ferimentos ele nos faz sentir apenas o que mais nos fere, medindo a dor como uma balança de perigo e assim priorizando a mais grave das causas. Como um alerta a nossa consciência. Uma conexão perfeita entre o subconsciente e o consciente, em uma conversa que muitas vezes não podemos entender.

    Pensando dessa maneira como explicar a total falta de dor?

    É como puxar um elástico por dezenas de vezes, esticando a fibra até que não volte mais para seu devido lugar e finalmente se rompa. O resto é irrelevante se o que causou seu rompimento não foi a expansão da fibra, mas uma pequena rachadura no material. Como sentir mais de apenas uma dor e ter priorizada aquela que oferece mais ameaça.

    Naquele caso, sua própria mente.

    O bloco de notas teve uma de suas páginas arrancada de maneira desesperada. Foi guardado no bolso da farda e logo a maltratada folha de papel creme se apoiou na palma de sua mão esquerda, dedos trêmulos sequer podiam escrever e olhos nervosamente piscantes não reconheciam a própria caligrafia.

    Ela não pensava para escrever, não colocava nenhum filtro em suas palavras. Apenas as escrevia, da mesma maneira que ouvia repetidamente ao pé de seu ouvido.

    A pressa em se livrar daquela tóxica informação transformando os rabiscos em uma porção de traços irregulares sem sentido. Havia demais para se escrever em muito pouco tempo e ela estava se perdendo dentro de si mesma, temendo que as palavras que não foi capaz de escrever se repetiriam em um futuro próximo. Com mais força e profundidade que a última vez.

    As vozes se tornaram gritos, agudos e graves, destorcidos em dor e raiva enquanto o som de fogo, o cheiro de fumaça e o gosto de sangue inundava sua boca. Fechou os olhos não querendo enxergar aquele pesadelo e a caneta se partiu em seus dedos depois de ranger e trincar. A tinta escorreu pela pele quente como a gota de suor em sua testa e Lexa rangeu os dentes. Tapou os ouvidos e em um grito desesperado atirou os pedaços de plástico partido para frente, perdeu o equilíbrio em meio ao álcool e caiu de joelhos sobre os pequenos grãos de areia fresca.

    As mãos caíram entre as pernas, a respiração ofegante acelerou enquanto os olhos buscavam no céu qualquer conforto possível em um momento como aquele. As gotas de azul escuro escorrendo pela pele e aos poucos encontrando o solo abaixo de seus dedos.

    Ela não podia mais suportar aquilo, não podia mais olhar para qualquer lado que fosse e não enxergar seus erros, seus demônios, perdas e tudo o que seu subconsciente embaralhado em pânico e vodca pudesse a forçar a ver. Como um filme de horror sobre sua tão amarga história, presa dentro da triste realidade de si mesma, sem fim.

    Lexa não estava mais na borda a muito tempo, estava no fundo escuro e frio. Olhando para cima, desejando ter forças para escalar quando as correntes ao redor de seu pescoço, punhos e pernas pesavam toneladas. Estava cansada, sozinha e presa em um pesadelo. E passaria seus últimos dias daquela maneira, sem coragem para assumir a derrota e sem uma voz para gritar por ajuda. Tudo o que tinha era aquilo.

    A calma, triste e solitária luz de uma estrela no céu do deserto.

    - Você não pode se livrar de mim. – A voz caçoou, levantando os pelos de Lexa depois que o restante dos gritos se transformaram em cochichos.

    - Cale a boca. – Ela rosnou, tirando os olhos ardentes do céu e encarando a areia sob suas pernas.

    - Nós dois sabemos o que é preciso para que isso aconteça. – Ele continuou. – E também sabemos que não vai acontecer antes do previsto. Você é covarde demais para tentar...

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