Unacceptable Forgiveness

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    Às vezes, tudo do que precisamos é um choque de realidade, algo que nos tire de nosso mundo, idealizado por pensamentos irreais e moldados por certezas de um falso dever ou sentimento. Um sonho, uma briga ou até mesmo uma palavra podem trazer tudo abaixo, nos deixando sem nada e forçando a reerguer tudo em que acreditávamos antes daquela tão bela mentira.

    Alguns conseguem, com muito esforço e apoio daqueles que o amam. Usam o máximo em si para provar de que sua melhor versão está ali, presente de maneira verdadeira e não presa a uma realidade que sequer existe.

    Outros sequer se lembram como costumavam ser antes de tudo. Como andar, como falar, como respirar, tudo se parece com uma grande mentira. Um papel, que os desagrada muito mais do que o último corpo a que estavam aprisionados.

    E existem aqueles que se encontram entre ambos. Com raiva demais para fazer algo além de culpar os outros e magoados demais para recrear um mundo do qual não gostam nem um pouco. Infelizes com cada detalhe e autodestrutivos em cada oportunidade que possuem, tentando despertar de um pesadelo que estabelecesse sua realidade, mas ainda assim desejando ser quem eram antes de sua ilusão. Alguém perdido.

    Sim, às vezes a realidade é realmente um saco. Às vezes tudo o que você quer é moldar o mundo aos seus olhos, se entregando a uma lavagem cerebral criada por seus próprios desejos, deixando de enxergar coisas que estão exatamente a sua frente e assim se tornando mais feliz. Mas a que custo? O que se perde no processo?

    Essa era uma resposta que Elizabeth já tinha cravada em sua mente e relembrada por diversas vezes no dia, sempre que sua filha cruzava seu caminho dentro da grande e fria base. Ela nunca pensou que se odiaria tanto por ter abandonado a garota quando criança e com toda certeza não achou que questionaria até mesmo seu nome àquela altura.

    É uma das peculiaridades de tentar salvar alguém que não quer ser salvo. Você mergulha, nadando por águas turbulentas em ondas do dobro de seu tamanho, nada como se fosse a última coisa que fizesse em sua vida. Finalmente alcança quem assistia se afogar da margem calma e cristalina, mas quando o agarra ele se debate, grita em ódio, te acerta alguns golpes e nada mais para o fundo. Sempre fugindo, mais e mais até que você se encontra mais cansado do que antes, tomado por hematomas e prestes a afundar por alguém que sequer te quer ali.

    E então você precisa escolher. Ir embora e o assistir desaparecer abaixo das ondas ou afundar junto a ele.

    - Alexandria! - Ela chamou, marchando pelo grande depósito com sua farda aberta.

    O lenço em seu pescoço estava folgado por sua estranha claustrofobia, o colete e arma haviam sido guardados no primeiro container, de cor vermelha, poucos metros a esquerda das duas gigantescas portas de aço no início daquele esconderijo. A camisa aberta sacudia em suas laterais enquanto os vultos de cubículos de aço enferrujado, organizados ao redor do retângulo de chão úmido em concreto e seus ocupadores de olhos curiosos a encaravam.

    Lexa estava a sua frente, tão raivosa e quieta quanto antes. Como se toda a batalha de volta não fosse o suficiente para saciar sua cede por sangue. Ela havia dito que Kabir era seu, mas todos os abates ao redor do Taj Mahal ou as dezenas pelas ruas não foram suficientes? Quantos mais ela teria de matar para esquecer aquele homem de uma vez e voltar a ser quem era?

    Esse era o problema, Lexa já não sabia mais como tratar aqueles ao seu redor se não com uma dúzia de muros impedindo qualquer aproximação que fosse. Algo que Elizabeth já estava cansada de ter de derrubar cada dia, apenas para dar de cara com mais uma centena.

    - Alexandria, eu falei para esperar. - Relembrou com punhos firmes.

- Ou o que? - Ela debochou, olhos ainda voltados para a grande cabine de observação nos fundos do saguão. Quase a meio quilômetro dali. - Vai me colocar de castigo?

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