Capítulo 1 - Voltando pra casa

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Ámbar

Dei uma última olhada no meu cabelo no espelho do meu camarim e me ergui, após uma rápida oração de agradecimento. Me maquiaram perfeitamente, meu penteado está belo e chamativo. Um imponente coque clássico.

— Smith. Dois minutos. — Meu assessor me avisa e eu aceno para ele. Perdi as contas de quantas vezes já entrei diante de uma refinada plateia. De quantas vezes coloquei minha alma em cada nota do violoncelo, e de após todas essas vezes, eu perdi o medo e me ergui dona de mim mesma diante de todos. Mulher, em uma sociedade que ainda mantém regras retrógradas, em entrelinhas.

Enquanto eu andava, calçando um luxuoso scarpin e coberta por um vestido azul-petróleo Versace, o pessoal da produção ia abrindo as portas para eu passar; pessoas à frente caminhando rápido me guiando, um segurança atrás e outro lá à frente, na porta de entrada do palco.

Minha vida nem sempre teve portas abertas para mim, todavia, eu vim à luta e conquistei meu lugar. Por que eu não aceitava estar lá embaixo. Sim, você sendo mulher, homem, negro ou branco pode e deve ter ambições. Querer ser alguém na vida e poder ter seu próprio destino. Isso não é errado, conseguir tudo com o suor do seu rosto.

Mas quer saber? Mesmo tendo subido centenas de vezes ao palco, eu ainda sinto um arrepio, sinto meu estômago revirar e minha boca secar. Meu coração dispara.

Me posiciono, a porta se abre e todos da luxuosa plateia americana se levantam para me receber. Ovacionada, entro de cabeça erguida, com toda a classe feminina que eu posso usar. Tomo meu lugar ao lado do meu violoncelo, cumprimento sutilmente o pianista, os violonistas, o maestro, e me viro para a plateia. Faço um gesto cumprimentando-os e me sento para começar.

Tem um pequeno vídeo, de uma entrevista com Juliana Mindi, uma pianista e cantora de jazz, militante contra o racismo; ela dizia: “Houve algumas vezes no palco onde eu realmente me senti livre. E isso é uma coisa incrível. Pois liberdade, para mim, é não sentir medo.”

Eu faço dessa frase meu estilo de vida. Não ter medo. Nunca me faço de vítima diante das ocasiões do dia a dia só porque sou mulher, mesmo sabendo de todas as dificuldades que ainda encontramos; nunca lamentei que os homens conseguiam tudo e eu por ser mulher seria inferior, eu vim e mostrei qual o meu valor e agora sou mais uma voz no coro que diz: lugar de mulher é onde ela quiser.

Brasil. Não sei ao certo qual o sentimento de estar voltando para casa. Vendo a cidade pela janela do carro, me dá ânsia e felicidade ao mesmo tempo. Esse lugar foi palco de muita coisa em minha vida antes de eu deixar tudo para trás e seguir em busca de um sonho. Senti aqui desde extrema felicidade a tristezas absolutas. Indignações e rasteiras da vida que me obrigaram a crescer, amadurecer como mulher, ser fria para algumas situações e mais humana para outras.

Aqui eu cresci, apesar de não ter nascido nessa cidade. Mudei para cá aos treze anos, quando meu irmão gêmeo faleceu e meus pais quiseram mudar para tentar esquecer e fugir das lembranças. Hoje, somos apenas eu, meus pais e Matteo, meu irmão mais velho que está em pré-candidatura para vice-governador. E vê-lo chegar nesse nível da política mata a gente de orgulho.

Meu irmão tinha tudo para ter se tornado um meliante ou estar morto pela polícia. Viemos para cá e fomos morar em uma favela. As condições eram precárias, ele começou a ter as piores amizades e toda péssima influência. Era um garoto pobre, que mantinha as pessoas distantes só por ser pobre e morar em favela.

Mas Matteo prosperou, estudou, apanhou da vida, dos traficantes e dos policiais, deu a cara a tapa em diversas ocasiões, mas não se abaixou, seguindo firme no propósito de dar uma vida boa a meus pais e dar, acima de tudo, orgulho a eles.

A Dama de CopasOnde histórias criam vida. Descubra agora