Capítulo 4

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Já era tarde, todas já haviam jantado, passei a tarde toda em minha cabine fazendo cálculos, e conclui que com o sol e o vento fraco chegaríamos em dois dias em terra firme, o que parece ser pouco, mas com a carência por um descanso parece uma eternidade.

Depois de ficar tanto tempo inclinada em papéis decidi que era a hora de levantar um pouco e andar por aí, abri a porta e me deparei com o convés vazio, o que não me surpreendeu já que estava escuro e só a lua e estrelas iluminavam.

"Alguém esqueceu dos lampiões" olhei ao redor, mas realmente não havia ninguém, foi nesse momento que eu lembrei "o cesto".

Olhei para cima e vi cabelos escuros esvoaçando com o vento suave, meu coração disparou de um jeito que nunca havia acontecido antes.

- Ei!- gritei- O que está fazendo aí?

Ela não se assustou com a minha presença, só olhou para baixo e me ignorou como se eu fosse um maldito pássaro piando.

- Desça daí!- ordenei.

Dessa vez ela nem se deu ao trabalho de me olhar.

- Não vai conseguir nada assim Cabello.- a voz veio da escuridão e ao poucos pude ver Dinah surgir segurando um pequeno saco com biscoitos velhos e um cantil de água.

- Por que deixou ela sozinha?- perguntei cruzando os braços, expondo minha irritação.

- Relaxa um pouco Capitã, ela está algemada do jeito que você mandou.- Dinah diz com uma calma irritante, o meu ódio pela morena de olhos verdes começa a subir pelo meu abdômen e eu sinto vontade de subir naquele mastro e jogar ela lá de cima para o mar.

- Urgh- bufei- Dê comida a ela e a leve para dormir pelos céus, não quero vê-la aqui de novo.

- Por que ela te deixa tão tensa?- Dinah pergunta de sobrancelhas franzidas.

- Eu não sei, não gosto dela, não me sinto bem sabendo que ela está no meu navio.- sussurrei porque não conseguia dizer em voz alta, essa mulher tem essa certa energia em cima de mim e não paro de pensar nela, toda vez que eu estou em meus devaneios seus olhos vibrantes e expressivos surgem na minha mente, sempre com uma carranca e o som de um rosnado.- E para que o sentimento é mútuo...

Dinah me encarou com atenção.

- E por que motivos você ainda deixa ela aqui no navio? Por que não a entrega um bote e a deixa ir embora com um pouco de comida e água, seria o civilizado a se fazer.

- Eu já pensei nisso Dinah, mas eu não sei.- respondi francamente e ela me encarou compreensiva.

- Ela é diferente.

Eu soltei uma risada para a afirmação da minha amiga, Dinah sorriu boba.

- O que eu quero dizer é que ela é especial, devia conversar com ela.

Encarei o cesto, a mulher não nos olhava e provavelmente não nos ouvia.

- Não sei se um dia conseguiria.- disse ao vento ainda olhando para cima, a lua cheia encaixando perfeitamente na cena que se formava.

- Conseguirá!- Dinah diz com firmeza- Seja mais gentil e tudo irá mudar.

Pensei nas palavras de minha amiga, pensei por tempo demais encarando meus próprios pés, até ouvir o barulho de metal e ver que Dinah a estava ajudando a descer do cesto, dei espaço pois ouvi o som do que seria uma conversa entre elas.

Subi as escadas até o comando do navio, dali eu tinha toda a visão do convés, vi a mulher tocar os pés no chão, Dinah havia lhe dado uma de suas roupas, ficavam largas na mulher que parecia não comer algo decente em meses, ela se alimentou dos biscoitos velhos e ruins enquanto bebia da água, Dinah conversava com ela que só balançava a cabeça e dizia algumas poucas palavras que eu não podia ouvir.

E pode ter sido uma das histórias de Dinah, ou o jeito que ela fala, o que quer que tenha acontecido fez a morena rir, ela sorriu mostrando dentes brancos como eu jamais havia visto, todo o ódio que eu sentia por ela diminuiu, ela era dona de um belo sorriso e olhando para isso meu coração apertou.

Eu me deixei levar pela raiva e esqueci de olhar para a mulher, olhar de verdade.

Nós a encontramos cercada de rochas e com machucados, ela tinha um machucado horrível na perna e eu ordenei que subisse naquele mastro, ela não se alimenta decentemente em tempos e eu nem lhe servi um pedaço de carne. Que tipo de ser cruel eu sou? Sou uma capitã sem piedade, sem alma, sem misericórdia.

Encarei o céu por um instante e levantei a cabeça sem deixar que as lágrimas caíssem pelos meus olhos.

Que tipo de pessoa eu sou?

Quem eu me tornei nesse navio?

Será que fiquei tão cega pela arrogância?

Deixei que uma lágrima escorresse do meu rosto para aliviar minha amargura, senti meu coração pulsar, voltei a olhar para o convés e percebi que estava sozinha.

É assim que estou, sozinha, presa ao meu fantasma do passado.

Será que tudo isso vale realmente a pena?

Encarei a lua no topo do céu e clamei para quem quer que pudesse me ouvir, clamei por um pouco de sabedoria.

Dentro de mim uma luz surgiu e eu sabia o que fazer.

Sabia como começar.

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