Capítulo 38

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Depois de todo o clarão a água começou a se levantar em uma onda enorme, senti as mãos de Normani me puxarem para trás como se ela tentasse me defender daquele grande redemoinho. Nós cambaleamos para trás, mas foi o suficiente para não nos molharmos, ela me apoiou e eu encarei o que acontecia, nem podia acreditar.

Era como se as peças de madeira e metal estivessem voando em círculos no ar, elas foram se formando e adquirindo a silhueta que eu conhecia tão bem. Peça por peça, eixo por eixo, lascas de madeira formaram o mastro principal.

Eu não podia deixar de olhar o meu navio surgindo na minja frente, da garrafa saiam pequenas farpas que se transformavam em grandes pedaços de madeira, metais que eram menores que uma moeda e viravam eixos e placas de aço que apoiavam o fundo do navio.

Quando a proa já estava formada eu senti a extrema necessidade de correr até ela e tocar o meu navio, coisa que eu pensei que jamais faria, pensei que nunca mais nem veria um pedaço sequer dele, e agora aqui está.

O sua ponta estava virada para leste, como se o navio já soubesse o caminho a se seguir sem nem ao menos se formar completamente, fiquei vislumbrada com a sensação e com a imagem que eu vi.

A cesta da Gávea foi uma das últimas a subir, a madeira formou um circulo ao topo do mastro, dois pequenos pedaços de tecido sairam da garrafa que rachou e se quebrou, os pedaços de tecido nas cores alaranjadas e amareladas se abriram e começaram a voar, esbarrando em Ágata que estava na frente admirada, o tecido voou em uma velocidade violenta até se juntar com as cordas e quando olhamos mais uma vez lá estava ele.

Era como mágica, cada parte do navio fazia o seu papel sozinha, ao final foi como um quebra-cabeça concluído e tudo se encaixou em seu devido lugar.

Completamente surreal, algo inacreditável, e por mais que nesses últimos dias eu tenha presenciado os eventos mais inimagináveis que alguém poderia ver, esse foi com toda a certeza o que eu não esperava de jeito nenhum. Como o meu navio saiu de uma pequena garrafa e agora está novinho em folha do tamanho normal na frente dos meus olhos?

Se eu não o conhecesse bem diria que é uma miragem, ou que não é ele, afinal eu o presenciei ser destruído na minha frente, mas era ele, o navio antigo do meu pai, que agora eu sou a Capitã, e ele está de volta nas minhas mãos, como se eu nunca o tivesse perdido.

Fiquei tão perdida no encanto em que eu estava que nem percebi que uma de minhas mãos estava apoiada nele, só para tocar e saber se é real.

E sim, era real.

Devo ter ficado muito tempo ali parada, devo ter ficado muito tempo ali pensando, lembrando dos momentos que tive com ele, lembrando de todo o meu anseio infantil de um dia ser a Capitã e me aventurar pelo oceano.

Mas agora vendo ele ali na minha frente, a minha única vontade é voltar para casa, abraçar Sofi, fazer minha mãe chorar quando me ver, eu também vou chorar, eu sinto tanto a falta delas…

Nesse momento esse navio é a minha salvação, é o caminho de volta para a casa, o caminho que a gente merece e mesmo que o objetivo não tenha sido cumprido, vai ser bom finalmente voltar para casa, e quem sabe um dia a gente faça outro caminho…eu só sei que eu serei uma nova Camila e melhor Capitã depois dessa viagem.

- Camila.- a voz baixa me chama e eu balanço a cabeça saindo dos meus devaneios.- O que está esperando?- é Dinah, ela tem um sorriso enorme de orelha a orelha.- Não vai entrar no seu navio?

Virei-me de frente para todas, estava tão anestesiada com a felicidade desse momento que até esqueci de todas as dores latejantes que sentia, de toda a fome e fraqueza, eu só conseguia sorrir.

- Como Capitã do nosso navio, será uma honra nos levar de volta para casa!- exclamo fazendo elas vibrarem de felicidade, seus olhares brilhavam, elas estavam radiantes e por um momento eu não conseguia enxergar toda a desgraça que aconteceu anteriormente, agora o meu único pensamento era simples e final.

Voltar para casa.

Não o mais rápido possível, não agora, sei que vai demorar, mas eu quero finalmente colocar os meus pés na minha terra.

- Quem será a primeira a subir?

(…)

Quando o sol estava no topo do céu, o mais quente e forte que deveria estar foi quando só faltavam três mulheres para embarcar.

Eu, Lucy e Normani.

Foi complicado levar todas para cima com a escada de degraus curtos e tortos, além de tudo muitas de nós não conseguem nem andar e para leva-las para cima tivemos que usar cordas e apoios feitos com pedaços de couro, nada muito elaborado, mas deu certo.

O problema era que o tempo passava mais rápido do que eu esperava, meu coração batia à mil no meu peito, em desespero.

Por mais que eu esteja vibrando na sensação boa de voltar para o meu navio, o meu medo de que algo dê errado fala mais forte, afinal, ainda estamos na ilha das malditas sereias e a qualquer momento a líder bipolar delas pode surgir e acabar com tudo e com todas nós.

- Está pronta para subir?- Normani pergunta já segurando na minha mão, nós estamos de frente para a escada, com os sapatos molhados já que estamos na beira do mar.

- Quero ser a última.- digo com convicção fazendo a mulher torcer os lábios.

- Mila, me desculpa, mas você não tem condições de fazer isso sozinha.- é Lucy, que insiste que eu vou precisar das cordas para subir por ter muitos ossos quebrados e feridas abertas sangrando.

Mas eu não me importava com isso, seria como a primeira vez, eu entraria sem nenhuma ajuda no meu navio, por último, e daria a primeira ordem quando todas estivessem no convés.

- Não.- nego com a cabeça.- Eu vou fazer isso, sozinha.

- Mila…- Normani me repreende com o olhar e toca o meu ombro. Eu toco em sua mão e a retiro do meu ombro com delicadeza.

- Não Mani, eu consigo.- e para acalma-las eu concluo mentindo- se eu sentir muita dor eu juro que eu para e desço, ai vocês usam a corda.

As duas se entreolharam, é claro que elas não acreditava em mim, mas não tinha importância, eu faria o que eu queria e elas sabiam que eu estava determinada.

- Qualquer coisa eu vou pular aqui pra baixo e te segurar.- Lucy diz e coloca as mãos em um dos degraus para subir.

- Eu pulo antes, você sabe que eu sou rápida Mila.- abro um sorriso para elas e concordo com a cabeça.

Quando Lucy está na metade da escada, Mani começa a subir, sempre olhando para baixo como se quisesse ver se eu estava subindo ou não, quando as duas chegaram ao topo e todas lá em cima estavam olhando para baixo, para mim, eu coloquei uma mão no degrau e respirei fundo.

É agora, vou voltar para casa.

Tomo impulso com os pés para subir o primeiro degrau, mas um barulho na água faz parecer que alguém caiu dentro dela, olho para o lado assustada pensando que alguma delas lá em cima pulou, quase escorrego porque perco o equilíbrio, o meu músculos não resistem e eu caio para trás sentindo algo me segurar com força logo em seguida.

Olho para o lado, onde eu ouvi o som e onde sinto o meu apoio nas costas, que me mantinha ali na escada segurando com as mãos nos degraus.

Me deparo com dois intensos olhos verdes me encarando.

A SEREIAOnde histórias criam vida. Descubra agora