Capítulo 11

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Flashback on

"Eu era pequena para entender, mas lembro disso até hoje. A maré estava alta e eu vestia o meu vestido favorito, minha mãe quem bordara, era azul, da cor do oceano quando o céu está sem nuvens, e como ventava muito e fazia frio eu usava o casaco velho do meu pai, ficava grande para mim e as mangas eram cumpridas demais. Eu observei o grande navio de madeira escura, naquela época era quase preto.

- É seu.- meu pai depositou uma de suas mãos em meu ombro, ele estava atrás de mim, eu toquei no navio e abri um grande sorriso.

Nesse instante senti algo na minha cabeça, meu pai colocara um chapéu em mim, eu pensava que ele se referia ao navio, mas ele só queria me dar o chapéu que ele sempre usou.

- Não quero essa vida para você Camila.- ele abaixou se apoiando em um dos joelhos.- Mas não quero uma vida ruim para você e sua mãe.

- Então por que está indo embora?- perguntei, essa era uma frase que eu ouvia o tempo todo da minha mãe.

- Você sabe, papa não está bem.- eu olhei nos seus olhos e puxei as minhas mangas para que minhas mãos pudessem tocar seu rosto, sua pele tinha cicatrizes e fortes marcas de expressão, características principais de um pirata.

- Então por que está indo embora?- repeti, era o que eu sabia dizer, mas eu ainda não sabia o que aquela pergunta significava.

- Eu conquistei o que é meu e ficará comigo para sempre. Um dia você entenderá.- seu tom era firme, ele estava determinado e eu me sentia triste.

Eu tentava descobrir o que tudo aquilo significava, por que minha mãe não queria olhar mais para ele, por que ela dizia que teria mais alguém na família se meu papa estava partindo.

- Não vai.- consegui dizer olhando em seus olhos, por um momento vi um vislumbre passar pelo seu rosto, talvez ele ficasse…ele poderia ficar, poderia continuar aqui, talvez me ensinar a ser uma pirata que nem ele…eu não queria tricotar com a minha mãe, eu queria as aventuras que meu pai me contava sempre que ficavamos juntos.

Lembro até hoje da vez que ele estava em um bote perdido como melhor amigo e os dois tiveram que lutar contra um tubarão branco, eles só tinham uma garrafa e algumas sardinhas, meu papa disse que foi só isso que ele precisou. Hoje eu sei que todas essas histórias não se passavam de mentiras.

E naquele dia ele se levantou e sem dizer mais uma palavra ele me deixou. Eu esperei por ele, esperei que ele ao menos virasse para dizer adeus, mas seu navio já estava longe demais para eu enxergar. Eu sentei na areia e me encolhi dentro do grande casaco, tinha cheiro de bebida e fumo, nada apropriado para uma criança, mas me lembrava ele.

E eu adormeci ali, adormeci esperando por ele, fui levada para casa por um mais velho simpático que me viu dormindo sozinha no frio e sentiu pena, minha mãe me deu sopa e me colocou para dormir. No outro dia eu voltei para praia, e fiz isso por mais algumas semanas até entender o que aquilo significava.

Tínhamos mais um membro na nossa família, tive que começar a trabalhar para comprar as coisas para nós, eu amadureci rápido, eu precisava cuidar de tudo, eu sabia que meu pai não voltaria.

Mas certo dia ele voltou, nunca vou esquecer. Ele foi com um navio lotado de homens e voltou sozinho, eu não sabia dizer como isso era possível, como um homem sozinho conseguira cuidar de um navio desse tamanho, mas ele o fez. Mais tarde eu descobri que assim que ele ancorou o navio fez questão de que ninguém voltasse vivo.

Eu queria bater na cara dele, queria chorar e gritar, dizer que enquanto ele esteve fora fazendo o que eu ainda não sabia eu tive que cuidar da nossa família, eu pescava, vendia peixe, usava o dinheiro para comprar comida e tecido para roupa, eu revezava os cuidados da minha irmãzinha com a minha mãe, fiz tudo o que ele nunca fez.

E naquele diz eu estava no mesmo lugar da praia que ele havia me deixado, eu encarei sua silhueta, o sol estava forte e não podia vê-lo com clareza, já que as luzes fortes impediam que eu mante-se os olhos abertos. E ouvi o som, um homem caindo ao mar. E naquele instante eu sabia, sabia que agora o navio era meu e sabia pelo que eu deveria correr atrás.

Segurei na minha mão, o metal queimava minha pele e meu coração ardia, se eu me arrependia isso seria para mais tarde, agora eu precisava reconquistar o que me pertence por direito.

Eu ouvia boatos, sempre ouvi boatos, mas quando ele voltou com o navio vazio eu sabia que aqueles boatos eram verdades. Alejandro sempre foi egoísta, ele sabia que iria morrer, sabia que toda a riqueza que ele roubou ficaria conosco e ele não poderia desufruir, e ele foi embora naquele dia e destruiu nossa família. Posso até dizer que junto com aquele tesouro ele levou o meu coração.

Eu subi naquele navio meses mais tarde, eu já estava grande o suficiente para fazer isso sozinha, coloquei meus pés no convés e senti o que nunca antes havia sentido. Poder. Eu tinha poder sobre os mares. Dentro do meu navio eu poderia ir para onde eu quisesse.

Respirei fundo sentindo a brisa, eu já conhecia aquele navio muito bem e fui direto no lugar que anos mais tarde seria a minha casa, a cabine do meu pai era velha e cheia de papéis, ele dormia em uma rede o que lhe causava fortes dores nas costas, eu nunca permitiria isso para mim, eu dormiria em uma cama digna, ele não passava de um imundo.

E dependurada na parede estava sua espada, no cabo haviam esmeraldas que combinavam com o anel que ele sempre usava, anel agora que estava nas minhas mãos. Segurei a espada, tinha o peso perfeito para mim, e eu sabia muito bem como usá-la.

Agora sim, dentro da cabine eu tinha poder, eu aprenderia a comandar um navio e eu iria atrás do que é meu. Olhei-me no pequeno espelho pendurado na parede, eu usava aquele chapéu velho que ele havia me dado e o mesmo casaco que antes ficava grande em mim, agora eu podia ver minhas mãos quando eu o usava. Por um vislumbre vi o rosto do meu pai ao olhar o reflexo, o espelho se partiu com o toque do meu punho, dezenas de pedaços ao chão.

Eu não sou o meu pai."

Flashback off

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