Vinte e um

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   Chegamos ao parque em que eu conversei com a Tati há algum tempo atrás. Estava justamente na hora em que as crianças estavam brincando na areia junto com as mães, babás, empregadas e equivalentes. Ele ficou com uma cara de o que estamos fazendo aqui.

- Foi aqui q eu e a Tati terminamos.
- ...
- Você quer saber porque eu te trouxe aqui cara?
- Pode ter certeza!
- Olha a sua volta Luciano... Me fala o que eh que você tá vendo.
- Porra mermão você me trouxe aqui pra fazer piada com a minha cara foi?

     Olhei sério pra ele de novo. E repeti a pergunta. "Me fala o que você tá vendo aqui"

- Putz. Um monte de menino catarrento se sujando na areia, com as mães tudo louca correndo atrás e gritando. O que e que você quer que eu veja mais?

       Apontei com o indicador encostando a ponta do dedo no peito dele.

- A vida Luciano. Eu quero que você veja a vida cara. O tempo tá passando. Esses meninos catarrentos que estão correndo aí tão crescendo a cada minuto, cada segundo que passa é um segundo que não volta mais. Cada folha que cai de uma árvore dessa não vai voltar pro galho depois. Se você parar de enxergar isso, você tá deixando de viver.

Ele ficou um tempo calado. Percebi que os olhos dele ficaram cheios de lágrimas com o que eu disse.

- Pow cara... e que motivo eu tenho pra me importar com isso. Pra que eu tenho que me preocupar se eu tô perdendo tempo ou não
- Mermão deixa de ser estúpido. Seus pais não eh motivo suficiente? Para pra pensar um pouco. E todos os amigos que você tem. E eu aqui também... Será que isso não eh motivo suficiente pra você perceber que você tem que tocar sua vida pra frente? Que tá na hora de deixar tudo o que aconteceu pra lá?
- ...

      Ele começou a chorar. Não era o resultado que eu queria, mas era um resultado que eu já esperava. Sentamos num banco, o mesmo banco em que há algum tempo eu e a Tati sentamos, onde ela me fez prometer que eu lutaria por quem eu amava de verdade e parar de mentir pra mim mesmo.



     Luciano não se controlava mais. Chorava feito menino, tanto ou até mais do que na noite em que ele e a Carla terminaram, quando ele apareceu no meu apartamento no meio da noite.

    Queria abraçá-lo como daquela vez, dizer que ia ficar tudo bem, mas dessa vez era diferente. Eu já tinha feito o que era preciso. Levantei do banco e fiquei de frente pra ele. Na mesma hora ele levantou a cabeça, com os olhos e o nariz vermelhos olhando pra mim, parecendo um menino que tinha acabado de ralar o joelho.

- Cara, acho que você precisa de um tempo pra você agora... Fica aí na boa, quando você quiser voltar da um toque que eu vou estar aqui perto, passo aqui e te pego.

Ele não respondeu nada. Comecei a caminhar e de repente ele me chama.

- Ricardo!

      Virei-me. Olhei pra ele. Continuava com a mesma expressão de menino desamparado no rosto, mas agora parecia que estava mais angustiado.

- Não vai embora não cara. Não me deixa aqui só não, por favor!

     Fiquei. Ficamos calados, um ao lado do outro, sentados naquele banco. Luciano chorou, chorou durante algum tempo, até que se acalmou de novo, como da primeira vez em que eu o vi chorar daquele jeito. Quando ele já estava mais calmo dei um tapinha nas costas dele e disse pra voltarmos. O sol já estava se pondo, deixando aquele tom de vermelho no céu. Levei Luciano de volta pra casa com aquela sensação de que talvez algo nele tivesse mudado.

   Realmente o Luciano mudou dali pra frente. Parece q ele estava precisando de uma sacudida pra acordar e aquilo acabou conseguindo. Começou a diminuir como cigarro (não largou de vez infelizmente), voltou a estudar direito, parou mais com as farras. A mãe dele só faltava me botar no céu.    

One last timeOnde histórias criam vida. Descubra agora