O meu encontro com meu terapeuta é na quarta-feira, e mesmo ainda sendo segunda e eu ainda estar parado na frente da escola, eu já tenho um monte de coisas pra falar sobre tudo o que estou sentindo só por ter chegado até aqui.
Provavelmente a primeira delas é sobre a minha mãe que insiste em me levar até a porta da sala mesmo não sendo realmente necessário já que a) ok no momento eu realmente não sou o melhor andarilho da face da terra, mas consigo me locomover sozinho com minha muleta, b) se minha mãe quer saber o número da minha sala é só me perguntar depois e c) meu Deus eu não sou mais criança e não preciso de companhia, aliás eu nem sou mais adolescente.
Provavelmente também comentarei com meu Psicólogo que minha mãe exagerou quando disse que a escola era tão arrumada que nem daria para eu perceber que é uma escola pública. O prédio até que é bem arrumado e a tinta azul na parede não parece nada velha, mas aqui tem aquele ar de "esquecido pelo governo" que sempre há nos lugares que são importantes, mas que ninguém se importa além das pessoas que o utilizam.
— Mãe, eu posso ir sozinho a partir daqui! — Eu tento sussurrar para ela quando paramos na porta da sala, mas estamos acompanhados do vice-diretor e eu tenho certeza que ele me ouve.
— Calma filho, só vou esperar você entrar. — Por Deus, ela está realmente animada com meu retorno à escola, ou todas essas risadas são de nervosismo?
— Acho melhor nos apressarmos porque você já está atrasado. — O vice-diretor (Pablo é o seu nome) tenta se manter sério, mas eu já percebi que para ele toda essa situação é extremamente cômica.
Pablo bate na porta e uma mulher negra com o cabelo amarrado em um coque aparece quando a porta é aberta. Ela tem um olhar sério de quem deu aula por tempo o suficiente pra saber lidar com todos os tipos de alunos possíveis.
— Sandra, esse é o José Antônio, ele é o novo aluno da escola e ficará nessa sala.
— Você chegou atrasado, mocinho! — Sandra diz, mas percebo que não é um sermão, é mais como um aviso. — Vamos entrando que já estamos no meio de um trabalho.
Dou o primeiro passo para dentro da sala e sou atingido pela voz da minha mãe, falando alto demais:
— Boa aula filho, qualquer coisa é só ligar pra mamãe!
Eu me viro olhando para ela com a cara feia e escuto as risadas vindas de dentro da sala. E quando volto a caminhar em direção as carteiras fico ciente que mais de quarenta pessoas estão me encarando. E fico ciente que não devo ter feito a barba muito bem e provavelmente eu estou com o rosto meio azulado com os pelos crescentes; e também tem o fato de eu ter crescido, mesmo estando em coma, o que provavelmente me faz a pessoa mais alta da classe.
Eu não deveria ter aceitado voltar a estudar. Afinal eu já tenho 20 anos, sou adulto, mesmo que a Organização Mundial da Saúde diga que não — li em um artigo no Facebook que para a OMS as pessoas são consideradas adolescentes até os 21, e eu não sei se isso é real porque a internet já não era confiável antes de tudo acontecer e meu tio Carlos me disse que as coisas pioraram — e eu deveria simplesmente procurar um trabalho em uma firma qualquer em que seja necessário apenas o ensino fundamental completo para um cargo de carregador.
Mas então começo a me lembrar de que eu ando com o braço direito apoiado em uma muleta e eu nunca conseguiria ser carregador, porque mal tenho força pra fazer meu corpo continuar de pé. O que faz de mim um completo fracassado e por tudo o que é existente na Terra por que eu estou tendo essa crise logo agora?
— Ahn, você pode se sentar com o grupo do Eduardo, José! — Sandra diz, o que me faz perceber que a minha crise durou poucos segundos, apenas o tempo que ela durou para avaliar a sala dividida em grupos, e que não foi nada estranho ficar aqui parado.
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José e os NERDS Contra o Mundo
Teen FictionJosé nunca assistiu Star Wars. Os NERDS nunca entraram em um campo de futebol. E mesmo assim uma grande amizade está prestes a começar. Há exatos três anos e seis meses atrás, José sofreu um acidente que o deixou em coma dos 17 aos 20 anos. Ao acord...