Fico leve como uma pluma. Eu nem havia percebido o quanto pensar em Júlia e Antônio, e principalmente manter guardado um rancor deles, estava me deixando para baixo. Se os dois não tivessem aparecido quanto tempo demoraria até que eu me afundasse sozinho? Talvez a chegada inesperada dos dois tenha feito com que eu passasse mais rápido por todo o processo.
Estou na sala assistindo novela com minha mãe e meu tio. O clima está tão bom que até besouro subiu no meu colo e só hoje está aceitando ser acariciado por mim.
— Você está praticamente brilhando! — Minha mãe comenta durante o comercial porque a novela está em um momento tenso e provavelmente tio Carlos nos mataria se disséssemos um "piu" que fosse.
— Eu me sinto meio que brilhando. — Admito, todo sorridente.
— A visita dos nerds realmente fez bem a você! — Tio Carlos diz.
— Ás vezes eu penso que aqueles garotos são mágicos! — Eu brinco.
— Eu comentei isso com seu tio esses dias! — Minha mãe diz rindo.
E no mesmo momento a novela volta a passar e meu tio nos manda calar a boca — o que faz com que nós dois riamos ainda mais.
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Chego a escola na quinta-feira e fico feliz que os garotos não façam nenhum estardalhaço com o meu retorno. Eles apenas me cumprimentam e ficamos esperando pela professora.
O sinal toca avisando sobre o intervalo e de repente Rafaela pega sua cadeira e vem se sentar ao meu lado. Ela balança a mão para os garotos e logo todos estão sentados junto a mim.
— Eu quero te perguntar uma coisa — ela diz me encarando. — Mas antes tenho uma proposta para todos vocês.
— O que é? — Samuel pergunta, animado.
— A gente sempre fica preso na Toca, e se pelo menos uma vez saíssemos para fazer alguma coisa?
— Você quer mesmo sair pra rua? Eu tremo só de pensar no perigo! — Eduardo diz e balança o corpo fingindo tremer.
— A gente pode sair amanhã que é sexta-feira — Rafaela argumenta. — Teoricamente as ruas devem ficar cheias no sábado.
— E a gente vai perder a maratona de séries? — Denis questiona. — A gente ia assistir Blue Exorcist!
— Por mim tudo bem! — Eu digo.
— Por mim também — Nicolas diz. — De toda forma as regras dizem que não podemos perder o cinema de quarta-feira, e não qualquer programação do cronograma.
— Tá bom, eu vou ficar superpreocupado com a roupa que devo usar, mas eu topo. — Samuel diz todo sorridente.
Nós quatro nos viramos e encaramos Denis e Eduardo que estão sentados um ao lado do outro.
— A gente meio que já foi vencido. — Denis diz olhando para Eduardo.
— É, vamos nessa!
Rola um segundo de comemoração e Samuel começa a perguntar sobre qual lugar deveríamos ir, mas Rafaela o corta dizendo:
— Depois pensamos nisso, agora eu preciso fazer minha pergunta para o José!
— Tudo bem... — Digo em um tom meio desconfiado porque ela está me olhando nos olhos.
— Você já namorou, não é?! — Ela pergunta como se eu não tivesse contado ontem a história do meu desastroso relacionamento. Eu balanço a cabeça dizendo que sim. — Ótimo, como eu faço para conseguir sair com a Gabriela?
Nós cinco ficamos a encarando.
— O que foi? — Ela pergunta, meio na defensiva. — Eu disse pra vocês que não a chamei pra sair porque minha mãe não sabia sobre eu ser lésbica. Só que agora minha mãe sabe, eu certamente sou muito interessada na Gabriela e tenho dezessete anos. Eu preciso saber esse tipo de coisa antes de ir para a faculdade!
Nós rimos, e então eu digo:
— O meu namoro não começou assim, chamando os dois para saírem. Mas por sorte antes de namorar eu já tinha saído com umas garotas. Então, qual é exatamente a sua dúvida?
— Eu quero saber... — Ela começa a falar, mas é interrompida por Eduardo.
— Se você vai ensinar para ela, eu também quero aprender! — Ele diz, em um tom ansioso.
— Eu também acho que não seria má ideia aprender um pouco sobre o mundo da paquera! — Samuel diz, e pela primeira vez ele parece estar um pouco envergonhado.
— O intervalo já está acabando. — Nicolas nos lembra.
— Então José, e se você nos desse uma aula sobre paquera hoje de noite na Toca? Acredito que nesse momento isso seja mais importante do que HQs!
— Nada é mais importante do que HQs! — Nicolas diz e eu não consigo me segurar e rio.
— Tudo bem, eu posso ensinar a vocês tudo o que sei!
O sinal toca e eles arrastam as cadeiras de volta para os seus lugares.
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Sinto meu rosto queimar de vergonha quando entro no Café da Neide. Pedro está no caixa terminando de atender um cliente e eu me aproximo para falar com ele.
— Volte sempre! — Ele diz para o senhor que acaba de atender e então se vira para mim. — Apareceu a margarida! — Ele diz sorrindo, e não parece estar com raiva de mim.
— Desculpa sumir sem te avisar. Eu realmente não fiquei bem.
— Por que você não toma o seu lugar e me conta tudo enquanto a gente atende um cliente aqui e outro ali? — Ele diz sorrindo. — Eu sou um cara extremamente curioso.
E eu fico surpreso comigo mesmo porque conto tudo sem pensar duas vezes. É claro que sinto vergonha em alguns momentos — eu realmente precisava contar que minha mãe nos pegou completamente nus em minha cama? —, mas em um todo até que é bom recapitular todos os últimos acontecimentos.
— Um relacionamento poligâmico? — Pedro diz quando eu termino de contar tudo. — OK, eu me lembro de estranhar o quanto vocês três eram grudados, mas nunca imaginei que algo assim estivesse rolando.
— Pois é, acho que nós tínhamos a cabeça a frente do tempo. — Comento rindo. — Mas minha cabeça regrediu totalmente; acho que eu nunca mais teria coragem de ter um relacionamento assim.
— Eu tenho uma amiga que tem certeza que quer ter um relacionamento a três, você pode contar sua história trágica para ela?
Nós dois rimos juntos.
— Acho que sim, pode marcar um encontro.
Ficamos em silêncio quando o tempo avança e o Café começa a encher. E mais do que nunca eu adoro trabalhar aqui.
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José e os NERDS Contra o Mundo
Teen FictionJosé nunca assistiu Star Wars. Os NERDS nunca entraram em um campo de futebol. E mesmo assim uma grande amizade está prestes a começar. Há exatos três anos e seis meses atrás, José sofreu um acidente que o deixou em coma dos 17 aos 20 anos. Ao acord...