Ando pensando demais em Júlia e Antônio. As coisas na minha vida estão bem melhores do que quando acordei doze meses atrás, mas é nos dois que fico pensando o tempo todo.
Na última semana eu li um livro inteiro — o segundo livro de Percy Jackson —, conheci uma nova cantora — Billie Eilish —, assisti a metade da primeira temporada de uma série — Gotham — e assisti a um filme ruim — Planeta dos Macacos: A Origem, os NERDS amaram esse filme, mas eu não gostei nem um pouco.
Junto com meus trabalhos extras da escola e o meu trabalho no Café, eu não poderia ter uma semana mais ocupada, mas ainda assim são eles que dominam meus pensamentos.
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É terça-feira e quando entro em casa encontro meu tio ao lado da porta, todo arrumado e pronto para sair.
— Tava te esperando pra sair. — Ele diz de forma afobada. — Tem visita pra você na sala, seu almoço tá dentro do fogão!
E então passa por mim todo apressado.
Caminho até a sala me perguntando quem me visitaria naquele horário e quando vejo as duas pessoas sentadas no sofá, sinto meu coração acelerando tão alto que posso sentir os batimentos em meus ouvidos.
— Oi, José! — Júlia diz se levantando e dando um sorriso tímido que nunca combinou com ela.
Seu cabelo está diferente, é a primeira coisa que reparo. Seu cabelo está maior e levo um tempo para perceber que todo o corpo dela está diferente.
Antônio também se levanta, ficando ao lado dela. Seu cabelo está todo raspado e seu rosto é coberto por uma barba escura e cheia. Se eu passasse rápido por ele na rua, nunca o reconheceria.
Meu Deus, penso assustado no segundo de silêncio em que os encaro porque as mudanças deles deixam mais claro do que nunca que realmente faz muito tempo que não os vejo.
— Por que...? — Estou ofegante e sinto dificuldade em formar a frase. Por um momento penso que eles não estão aqui, e que isso é apenas efeito da quantidade de tempo que ando pensando neles. — Por que vocês estão aqui?
— A gente queria te ver. — É Antônio que fala, sério que ele também tá tentando passar uma onda de garoto calminho? Esse nunca foi o seu estilo.
— Eu te liguei e uma garota falou que... — Júlia engasga ao falar. — Pensamos que o pior tinha acontecido. A gente veio pra visitar sua mãe, e seu tio falou que alguém tinha nos passado um trote.
— O que vocês acharam? Que eu estaria morto aí vocês viriam conversar com a minha mãe e dizer o quanto eu era especial para vocês e que sentiriam minha falta?
De repente perco toda a timidez. Por todo os palavrões inventados pela língua Portuguesa, essas são as duas pessoas em que eu menos tive motivo para me sentir envergonhado. Eles haviam me feito descobrir coisas sobre mim que eu mesmo não sabia, haviam me feito viver coisas que nunca viveria sozinho. E depois me abandonaram.
— Olha José a gente sente muito, a vida apenas seguiu! — Antônio diz.
— Ah claro, e ir visitar um amigo no hospital os atrapalharia completamente!
— Era o terceiro ano, a gente ficou envolvido com a formatura, vestibular e éramos jovens demais para termos responsabilidade.
— Vocês nem se preocuparam em ligar para minha mãe e perguntar se eu estava bem! — Grito e começo a sentir meus olhos lacrimejando. Eu não posso chorar na frente deles! — Foi como se eu nunca existisse na vida de vocês!
— Nós queremos tentar consertar o que fizemos! — Júlia diz dando um passo para frente e embora ela ainda esteja longe de mim, eu me afasto para trás e fico morrendo de raiva por mancar na frente dos dois.
— Saiam da minha casa agora! — Digo quase que baixo demais.
— José... — Antônio diz em tom de suplica.
— SAIAM! — Grito.
— Tudo bem, já estamos indo. — Júlia fala e segura no braço dele. Por Deus, eles ainda estão juntos! — Essa semana nós estamos ficando na casa da minha mãe, caso queira ir nos visitar.
Lembro que esse era o nosso plano: conseguir passar em um vestibular em uma faculdade fora da cidade, apenas para sair da nossa bolha e conquistar novas coisas. Eles conseguiram. E eu me fechei em uma bolha bem menor.
— Eu não vou querer, agora vão!
Fico com a cabeça baixa enquanto eles saem e quando escuto a porta se fechando não consigo mais me segurar e começo a chorar.
Praticamente corro até meu quarto e pulo encima da cama. Choro ainda mais intensamente e começo a soluçar. Fico com medo de sentir alguma coisa e minha mãe chegar em casa e me encontrar morto por afogamento seco ou algo assim. E isso faz eu chorar ainda mais.
Abraço o travesseiro e grito o mais alto que posso. Tudo no meu quarto faz parte da história que tive com eles. Meu grito assusta Besouro que estava o tempo todo debaixo da cama e um soluço escapa por minha garganta, até o meu gato faz parte da minha história com eles.
Como eu pude ter sido tão descartável?
Como minha relação com eles pode ter significado tão pouco?
Como eu posso ter sentido tudo o que senti e eles nem sequer se importaram?
Só consigo chegar a solução de que eu sou o problema. Eu parei a vida da minha mãe e fiz com que ela não vivesse o seu sonho por anos. Eu parei a vida do meu tio porque se eu não fosse tão irresponsável ele não se sentiria tão culpado. Eu até baguncei completamente a vida dos NERDS! O que eu estava pensando quando adentrei a vida desses garotos e pensei que poderia fazer algo de bom para eles? Eu importunei a amizade deles e quase fiz com que tivessem problemas maiores apenas porque não tenho a capacidade de fazer amigos. Quem eu sou para chegar de supetão e fazer o estrago que tenho feito na vida deles?
Talvez Júlia e Antônio estivessem certos quando decidiram que eu não valia a pena, porque eu realmente não valho. Eu sou apenas um emaranhado de problemas que bagunça qualquer um que chega perto. Eu destruo o que há de bom na vida das pessoas, e talvez devesse aceitar que no fim a culpa é toda minha.
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José e os NERDS Contra o Mundo
Teen FictionJosé nunca assistiu Star Wars. Os NERDS nunca entraram em um campo de futebol. E mesmo assim uma grande amizade está prestes a começar. Há exatos três anos e seis meses atrás, José sofreu um acidente que o deixou em coma dos 17 aos 20 anos. Ao acord...