Minha mãe não comprava cereal antes de tudo acontecer. Eu sempre pedia a ela porque quando eu ia à casa de Júlia ela sempre nos oferecia e eu aceitava. Eu sempre amei aqueles que são umas bolinhas de chocolate que acabam ficando grudadas nos dentes de trás.
Agora ela sempre compra umas caixas e as deixa estocadas dentro do armário. Só que agora eu só como de vez em quando porque eu meio que enjoei. A gente sempre acaba enjoando daquilo que tem em excesso.
Quando eu acordei no hospital, me lembro de ter ficado ansiando ver Júlia e Antônio e minha mãe dizia que eles deveriam estar muito ocupados com a faculdade e logo iriam me visitar; ela só me contou que eles pararam de me visitar completamente quando eu já percebi que era burrice continuar esperando. E então eu criei certa aversão a eles. Acho que a gente também acaba enjoando daquilo que nunca pode ter.
Estou sentado à mesa tomando café junto com a minha mãe. Decidi comer o cereal com leite porque acordei pensando neles, mas no fim não como nada e só fico mexendo minha colher dentro da tigela.
— O que aconteceu, filho? — Ela pergunta, levanto a cabeça e vejo que está me encarando. Preciso aprender a esconder melhor os meus sentimentos.
Estamos sozinhos na cozinha porque meu tio precisou sair mais cedo para o trabalho.
Respiro fundo e abaixo a cabeça voltando a olhar para o cereal.
— A Júlia me ligou ontem de noite, quando eu estava com os NERDS.
— E você atendeu? — Pela sua voz sei que ela está realmente interessada, e não apenas pergunta por perguntar. Minha mãe é realmente do tipo preocupada, ela nunca finge ser o que não é.
— Não... na verdade a Rafaela atendeu e falou que eu morri. — Sorrio um pouco porque escuto seu risinho.
— Então você contou tudo sobre a Júlia e o Antônio para os seus amigos?
A forma como ela faz essa pergunta me deixa com uma sensação estranha. Antes Júlia e Antônio eram os meus únicos amigos, e agora se tornaram alguém sobre quem eu deveria falar com meus novos amigos.
— Não, eu só disse que era alguém que eu não queria conversar...
— José. — Ela coloca a mão sobre meu braço e eu levanto a cabeça, a olhando nos olhos. — Eles são seus amigos agora, você deve confiar neles. Os garotos devem estar se revirando de curiosidade tentando entender porque você não fala de outros amigos.
Percebo que ela está certa. Eu estou sempre com os NERDS quando não estou no trabalho ou em casa, eles sempre contam histórias de seu passado e eu nunca digo nada porque não gosto de falar sobre o meu. Só que, penso no mesmo segundo, Pedro é uma das pessoas do meu passado, e quanto tempo vai demorar até que ele comente algo com Nicolas?
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Estamos quase no fim do terceiro tempo de aula quando percebo que os NERDS estão sussurrando entre si. Fico imaginando que estão apenas falando sobre alguma HQ ou um jogo, mas logo eu escuto Denis sussurrando para Rafaela:
— Por que você não pergunta? Você é a falante do grupo!
E Rafaela responde:
— Porque garotos preferem se abrir com outros garotos!
E Eduardo diz:
— Acho que você não entende muito bem como as coisas funcionam entre os garotos!
E é isso, sei que eles estão falando sobre mim. Mais precisamente sobre Júlia. Então espero que o sinal do intervalo toque para que eu me vire na cadeira e diga para eles:
— Vocês estão querendo saber sobre a pessoa que me ligou ontem, não é?!
Rola um segundo de silêncio em que eles se encaram.
— Eu sabia que ele estava escutando! — Rafaela diz olhando para os garotos.
— Desculpa ficar falando de você, José. — Nicolas diz. — É que ontem eu acabei comentando com Pedro sobre a garota que te ligou e ele disse que vocês eram inseparáveis!
— Tudo bem, acho que é direito de vocês ficarem curiosos. Afinal vocês me contam praticamente tudo sobre suas vidas.
Dou uma pausa pensando no que vou falar e sei que não vou conseguir ser muito detalhista, mas sei que posso fazer um resumo bom o suficiente para que eles entendam o que aconteceu.
— Júlia e Antônio eram meus melhores amigos quando eu passei pelo ensino médio na primeira vez. A gente passava mais tempo juntos do que com as nossas próprias famílias. Era um sentimento, uma relação, muito mais forte do que uma relação de amigos... — Faço uma pausa para tomar fôlego porque eu fui falando tudo de uma só vez, como se estivesse em uma corrida. — Mas aí aconteceu o acidente e minha mãe me contou que eles foram me visitar por um tempo, mas não pareceram continuar a acreditar que eu poderia acordar, porque eles sumiram. Quando acordei eu fiquei por um tempo esperando eles aparecerem, mas isso nunca aconteceu.
— E então ela ligou ontem. — Rafaela diz.
Balanço a cabeça dizendo que sim.
— Não sei o porquê de a Júlia ter ligado, e nem como ela pode saber que não estou mais de coma. E, sinceramente, eu não quero descobrir.
— Não se preocupa José, nós estamos aqui para te defender contra esses dois fujões! — Samuel diz levantando o braço com a mão fechada em punho e eu rio porque fica parecendo um personagem de um anime que começamos a assistir na semana anterior no lugar de That 70's Show (todo mundo votou em parar porque a segunda temporada não estava agradando tanto quanto a primeira).
— Fujões? — Rafaela pergunta, rindo. — Que tipo de palavra é Fujões?
— Parece que você tá falando de feijões! — Denis brinca.
Fico rindo deles e agradeço aos céus pela minha explicação ter sido o suficiente e eles não fazerem mais nenhuma pergunta.
Logo, enquanto Rafaela, Samuel, Eduardo e Denis estão discutindo sobre palavras estranhas iniciadas com a letra F, Nicolas põe a mão sobre meu ombro e eu me viro para ele.
— Você é um de nós agora. — Ele diz. — Pode contar com a gente pra tudo.
— Obrigado, Nicolas!
Como se esperasse uma deixa, sinto meu telefone vibrar em meu bolso e o pego rapidamente. É uma mensagem de tio Carlos.
De Carlos Tio:
Zezé, o que acha de eu alugar o campo sintético
e a churrasqueira do clube pra gente fazer algo
com seus amigos nesse domingo?
Levanto a cabeça todo sorridente e pergunto:
— Ei, o que vocês acham de jogar uma pelada?
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José e os NERDS Contra o Mundo
Teen FictionJosé nunca assistiu Star Wars. Os NERDS nunca entraram em um campo de futebol. E mesmo assim uma grande amizade está prestes a começar. Há exatos três anos e seis meses atrás, José sofreu um acidente que o deixou em coma dos 17 aos 20 anos. Ao acord...