Faz duas semanas que eu e Eduardo resolvemos nossos assuntos. As coisas têm corrido completamente bem: comecei a fazer os trabalhos extras para compor minhas notas e até agora nada tem sido difícil porque os NERDS estão me ajudando com tudo; minha mãe ama seu emprego tanto que ás vezes eu até sinto ciúmes dele; meu tio anda rindo demais enquanto mexe no telefone o que só consigo pensar que ele está conversando com alguma paquera; Ananda finalmente diminuiu meu tratamento para uma sessão por semana e decidiu que eu já posso andar sem muleta, então, apesar de ainda mancar um pouco, eu fico todo feliz em sair caminhando por aí.
Só que ás vezes eu paro e penso que tudo anda bem demais. É claro que depois de tudo eu acabei desenvolvendo esse pessimismo, mas é como se eu sentisse uma sombra sobre minhas costas ou algo assim. Ontem na hora do almoço, antes de eu sair para ir para o Café, minha mãe percebeu que eu estava um pouco pensativo e claro que perguntou o que era. Quando eu disse, ela abriu um sorriso e disse:
— Filho, não é porque coisas ruins aconteceram no passado que a gente precisa ficar esperando uma tragédia acontecer a cada dia!
Foi como se ela me desse um tapa na cara, então eu decidi que não ia pensar mais nisso.
Mas é exatamente o que faço quando estamos no refeitório, na reunião do comitê de formatura — minha mãe falou que é totalmente fora de cogitação eu não participar dessa cerimônia —, e eu vejo Rafaela com a cara fechada, olhando para frente onde as organizadoras falam sobre valores e um monte de outras informações que eu não consigo entender agora porque até meio minuto atrás eu estava virado conversando com os garotos sobre o episódio seis de Star Wars que nós assistimos ontem.
— Ei, o que aconteceu com a Rafa? — Eu pergunto virando para os garotos, mas tenho certeza de que ela ouviu.
— Gabriela aconteceu. — Samuel diz com um sorriso enorme e aponta para uma das garotas da comissão. Gabriela é alta, negra e tem os cabelos escuros lisos.
— Rafaela é apaixonada por ela desde que um de nossos professores mandou as duas se sentarem juntas para fazerem um trabalho no primeiro ano. — Denis explica.
— E por que ela não conta para a garota? — Pergunto. — Ela tem medo de rejeição?
É nesse momento que Rafaela se vira para nós e nos olha como se pudesse arrancar nossos olhos com as próprias mãos.
— Eu não posso ir conversar com ela porque eu sei que se acontecer algo entre nós, vai acabar rolando algo mais sério. — Ela começa a falar rápido como se não precisasse respirar. — E não tem nada a ver com aquele estereótipo horrível de que lésbicas se conhecem em uma semana e se casam na outra, é apenas algo que eu sinto. E se isso se tornar algo realmente muito sério eu vou querer mostrar isso para o mundo porque sejamos sinceros aquela garota é maravilhosa em todas as formas possíveis e é aí que começa o problema porque a minha mãe não sabe que eu gosto de garotas e eu não sei como contar, e sempre que começo a falar algo eu sinto meu corpo todo tremendo como se eu estivesse tendo um ataque de pânico.
A gente para um segundo encarando ela enquanto processamos tudo o que foi falado. Eu até mesmo preciso respirar fundo porque vê-la conversando tão rápido me deu um pouco de falta de ar.
— Isso é o que eu chamo de informação a jato! — Eduardo diz e nós rimos, Rafaela se segura para não sorrir e revira os olhos.
— Talvez a gente possa te ajudar a treinar para falar com sua mãe. — Eu digo.
— Tá, aí eu aprendo a como contar, mas não faço a mínima de como ela vai reagir!
— Alguns pais geralmente surtam. — Samuel diz. — Não foi o que aconteceu com os meus, claro, mas a gente conhece as histórias.
Rafaela então solta um gemido e coloca as mãos sobre o rosto. Nicolas se vira e bate no braço de Samuel.
— O que foi? — Ele pergunta passando a mão sobre o braço.
— Você pensa alto demais, Samuel! — Denis diz.
— Talvez você pudesse contar em um lugar público ou com bastante gente. — Eu digo. — Sua mãe não faria uma cena na frente de outras pessoas, faria?!
— Na verdade não, ela é toda preocupada com as opiniões alheias. — Quando ela diz isso, sinto que está gostando da ideia. — Qual seria o melhor lugar para sair do armário?
— Um lugar em que seus amigos estejam. — Diz Nicolas.
— A gente podia fazer uma festa. — Samuel fala, animado como sempre. — Todas as nossas famílias reunidas, aí em um momento você chama a sua mãe e conta tudo. Seria a Festa da Saída do Armário!
— Tudo bem Samuel, a gente não vai fazer uma festa com esse tema! — Denis fala.
— Não precisa ser esse tema. — Eduardo diz e pela expressão do seu rosto vejo que ele está animado com a ideia. — Estamos em setembro, é o mês do nosso aniversário de amizade. Na verdade aniversário de quando descobrimos que nossas inicias formavam o nome NERDS.
— E também já faz um mês que o José está conosco! — Rafaela diz, sorrindo para mim.
— Então a gente faz uma festa em comemoração ao aniversário dos NERDS, e Rafa você aproveita para contar tudo para a sua mãe! — Agora sou eu que estou animado com a ideia.
Percebemos que conversamos demais quando todos os nossos colegas começam a se levantar para ir para a sala. Quando o professor de Português chega, nos manda formar grupos e é a melhor oportunidade para começarmos a organizar os preparativos para a festa.
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José e os NERDS Contra o Mundo
Teen FictionJosé nunca assistiu Star Wars. Os NERDS nunca entraram em um campo de futebol. E mesmo assim uma grande amizade está prestes a começar. Há exatos três anos e seis meses atrás, José sofreu um acidente que o deixou em coma dos 17 aos 20 anos. Ao acord...