Capítulo 6 - UM PLANO COM URGÊNCIA ANTES DO CLUBE DO LIVRO

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Minha mãe é boa em entradas furtivas, em escutar conversas atrás da porta e ás vezes até chego a acreditar que ela consegue ler a mente das pessoas. Estou pensando nisso e que eu talvez tenha herdado um pouco do dom dela enquanto estou mancando pelo corredor e paro a um passo de entrar na cozinha. Depois do almoço eu deixei minha muleta na cozinha, então enquanto saio do meu quarto pronto para ir me encontrar com os NERDS, ela e o meu tio nem me escutam chegando.

— Eu não acredito que você vai desistir dessa oportunidade! — Meu tio diz quase como se estivesse estressado, mas diz baixo, o que me dá certeza de que é uma conversa que eu não deveria ouvir.

— Eu não estou desistindo, estou indo atrás de algo que se encaixe melhor ao meu tempo. — Minha mãe responde, também falando baixo.

Meu tio solta um suspiro.

— Você quer dizer que se encaixe ao horário do José! Nem adianta negar Luciana, você está negando o emprego dos seus sonhos porque não pode deixar seu filho de quase vinte e um anos sozinho por quatro horas!

— Carlos, não seja mal, você sabe que o José precisa de mim, para ir à fisioterapia, ao psicólogo, a escola e principalmente agora que ele sai todos os dias para encontrar com os amigos!

— Ele não precisa de você para isso, pode pedir um carro por aquele aplicativo de telefone, e eu posso levá-lo sempre que estiver livre. — Há um momento de silêncio e consigo imaginar meu tio pegando as mãos da minha mãe e a olhando nos olhos. — Não negue o emprego ainda, pense com cuidado, eles te deram tempo para responder. O José não é um invalido, ele não precisa que fiquemos do seu lado a todo o momento.

Volto dois passos pelo corredor e então grito:

— Mãe to pronto pra sair!

Vou mancando até a cozinha e sinto vontade de rir ao ver a cara de paisagem que os dois tentam fazer. Pego a muleta que está escorada no balcão.

— Tudo bem, vamos?! — Ela diz e se levanta.

Nos despedimos do meu tio e saímos.

Involuntariamente fico todo pensativo dentro do carro. Minha mãe é publicitária e sempre gostou do seu trabalho, me lembro de que antes do acidente, havia noites que ela passava horas em frente ao computador resolvendo algumas questões para algum cliente. E quando eu dizia que ela deveria pegar mais leve com o serviço, ela sempre dizia aquela frase clichê "faça o que você ama e nunca precisará trabalhar".

Mas depois que tudo aconteceu ela largou tudo para passar o maior tempo possível ao meu lado no hospital. Meu tio me contou uma vez, quando estávamos sós, que ela podia passar horas apenas olhando para o meu rosto ou mexendo em meus braços fazendo os exercícios que os fisioterapeutas do hospital haviam ensinado.

O acidente fez com que eu me tornasse o trabalho da minha mãe, mas agora ela não precisa mais se dedicar tanto a minha vida. Agora eu estou melhor do que os médicos poderiam imaginar para o meu tempo de recuperação, mas sei que para ela isso ainda não é o suficiente. Ela sente medo de me soltar, sente medo de que algo possa voltar a acontecer.

Mas eu preciso mostrar para ela que consigo seguir sem que ela me ajude em cada passo. E acho que tenho o plano perfeito para isso.

— Filho? — Minha mãe diz, e eu me viro a encarando. Ela me olha rapidamente e volta a olhar para a rua. — Algum problema?

Claro que ela perceberia que eu fiquei pensativo.

E eu não posso dizer que não é nada, porque ela facilmente chegaria à conclusão de que eu escutei a conversa dela com o meu tio. Então decido contar o que aconteceu na escola hoje.

José e os NERDS Contra o MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora