<<Nathalie>>
Paro com o olhar fixo no espelho ainda tentando entender o que aconteceu há minutos atrás. Como pude não ter percebido o rumo dos acontecimentos? Como fui tão idiota? Quem teria armado para mim? Sempre me senti entre amigos na Construtora.
Até o presidente, o Jorge Lancaster, que era quem mais divergia de mim, no final das contas sempre me elogiava, com alguns porém, claro! Mas, também, tínhamos quase sempre pontos de vista divergentes. É, mas no fim ele sempre gostava das minhas ideias. Todos sempre me fizeram sentir como se eu fosse especial, querida. E, de repente, isso?
"Sim, Nathalie, nossa empresa precisa de você! Você sabe que é a melhor no ramo!" - era o que me dizia o senhor Lancaster.
A Construtora Sillman é fruto do trabalho árduo de seu avô, o senhor Stênio Sillman, pai da senhora Geanete Sillman Lancaster, casada com Greg Lancaster.
Greg não era exatamente o genro dos sonhos do senhor Stênio. Mestre de obras, Greg era empregado da construtora quando conheceu Geanete. Foi um romance insólito, a princesinha do cimento e o peão de obras. Ninguém achava que iria durar. Achavam que era mais um dos muitos caprichos de Geanete.
O tempo passou, o namoro proibido virou oficial porque Stenio achou que era melhor ceder para ver se ela enjoava logo daquele peãozinho de obras. Na verdade, essa era a única esperança de Stênio que se desdobrava como podia para cuidar da empresa e de sua filha, já que enviuvara quando Geanete tinha apenas quatro anos de idade.
"Ah, Jacquie, como você me faz falta..." - era o que murmurava Stênio todas as noites quando ia deitar-se e via seu retrato no criado mudo ao lado da cama.
Nunca mais ele se apaixonou ou casou novamente. Não era seu perfil casar apenas para ter uma mulher cuidando de sua casa, de sua comida e de suas roupas ou de sua filha. Para isso poderia muito bem contratar uma empregada. E, de fato, três meses após a morte de Jacquie ele contratou Rosalinda.
Ah, Rosalinda, que doce de criatura! Mãe de dois filhinhos pequenos, um de cinco e outro de sete anos. Precisou deixar os dois crescendo e sendo cuidados pelos vizinhos durante o dia para que pudesse trabalhar na casa de Stênio. Ela nunca se queixou de nada. E quando os meninos reclamavam de sua ausência, ela explicava:
"Crianças, vocês sabem que seu pai sumiu mundo a fora e que eu preciso trabalhar para ter dinheiro para alimentar, vestir e calçar vocês!"
E assim o tempo passou, Rosalinda foi criando Geanete, cuidando da casa e, em sua casa, seus filhos cresceram tendo a mãe, mesmo ausente na maior parte do tempo, como exemplo. Sabendo que ela os deixava não por vontade, mas sim por necessidade, para lhes dar um futuro melhor. Seus esforços valeram à pena. Hoje, Marcos e Mathias, os filhos de Rosalinda, trabalham no escritório da construtora. Mathias é assistente financeiro e Marcos é um dos advogados. Rosalinda sempre teve muito orgulho de seus filhos.
"Meus doutores" - como ela mesma dizia.
Eu me chamo Nathalie Bustamante, tenho 35 anos e sou diretora de empreendimentos e finanças da Construtora Sillman. Moro sozinha com meu gato Ted nos arredores de Campinas. Já trabalho na Sillman há 10 anos, desde que me formei. Na verdade, entrei como trainée no último ano de faculdade e desde então vivi quase que exclusivamente para o trabalho, o que me gerou promoções e o atual cargo que tenho.
Sou a mais nova de três irmãos. Meus pais sempre deram muito duro para nos criar e, por isso, quando passei no Vestibular, foi com muito sacrifício que saí de casa para cursar a faculdade. Meus pais me ajudaram com o pouco que puderam já que o curso era em outra cidade. Saí de casa, em Taubaté para cursar Administração na Unicamp. O Campus do meu curso era em Limeira e lá morei num quarto alugado na casa de uma senhora idosa durante o período da faculdade. Tomava café da manhã e almoçava no Campus e à noite, comia biscoitos e frutas, assim não precisava cozinhar e economizava ao máximo o pouco dinheiro que meus pais podiam gastar comigo. Nos finais de semana eu estava sempre ocupada demais ou com os estudos ou com alguma trilha ou caminhada que fazia com um grupo que conheci na faculdade. Não posso dizer que eram meus amigos, porque nunca fomos íntimos, falávamos trivialidades, tirando o Ronie, claro! Aliás, eu não sou de fazer amigos porque sou muito tímida e acho que isso espanta todo mundo. Arrumar namorado, então, nem se fala! Já tive dois, mas nada muito sério. O primeiro foi em Taubaté, quando eu tinha 15 anos, mas não durou dois meses porque eu era virgem e ele queria transar comigo a todo custo. O outro, Ronie, foi na época da faculdade. Ele era do grupo que eu fazia trilha. Com ele sim me senti segura para perder minha virgindade, se bem que o sexo com ele não tinha nenhuma das emoções que ouvia as outras mulheres falarem. Tivemos um relacionamento legal, nos dávamos bem, mas eu acho que assim como eu, ele também não me amava. Parecíamos mais amigos, sei lá! Aí, o relacionamento esfriou e terminou com uns dois anos e pouco.
Acho que os únicos que posso dizer que são meus amigos mesmo são o Douglas, o Eduardo e a Cacau, meus vizinhos de infância lá de Taubaté. Brincávamos juntos quando éramos crianças e na adolescência, então, nos tornamos inseparáveis! Até que veio a faculdade e nos separou. Cada um foi para um canto. Cacau foi cursar Artes Cênicas, Douglas biomedicina e o Eduardo se tornou o doutor Eduardo, o dentista preferido das crianças de Taubaté, como eu o chamo. Aquele ali parece que tem ímã com criança, uma coisa de louco! Das vezes que estive no consultório dele, nunca vi nenhuma criança com medo ou chorando.
Ah, como eu achava que era feliz! Pelo menos até ainda agora...
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Canta Pra Mim
RomanceNathalie Bustamante tinha uma vida perfeita. 35 anos e a garota pobre de Taubaté já era diretora de empreendimentos e finanças de uma grande Construtora em Campinas. Morava com seu gato, tinha a casa e o carro que queria, além do trabalho que era su...