Índigo

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Não, não, não, não....respira, Juliana. RESPIRA!

Ela não deveria estar aqui. O que ela está fazendo aqui? Quem chamou? Porque não me avisaram? Como ela está no assento atrás do meu? Porque está tudo tão barulhento? Alguém manda esse comissário ficar quieto? Minha cabeça vai explodir!

Eu imediatamente começo a hiperventilar, fecho meus olhos com uma força descomunal, coloco as mãos cobrindo os ouvidos e devo estar fazendo uma careta de extrema dor, pois o homem ao meu lado começa a ficar apavorado.

- Meu deus, está tudo bem? Um médico. Precisamos de um médico. - ele fala, mas parece que está dentro da minha mente de tão alta que é sua voz.

Foi quando uma mão toca em meu braço, me fazendo abrir os olhos. E lá estava ela, com aquela piscina azul índigo, cheia de preocupação, mas que sabia exatamente o que fazer. Não falou uma palavra. Apenas me olhou e respirou junto comigo. A respiração que começava com um vendaval de tão aguda, ia lentamente diminuindo, deixando de perfurar o meu cérebro e fazendo com que tudo ao redor voltasse a ter uma velocidade quase normal.

As pessoas que já cercavam preocupadas o meu assento, foram saindo de perto e voltando aos seus lugares.

- Está tudo bem. Ela vai ficar bem. Está comigo. – afirmou Valentina para os outros passageiros e meu coração simplesmente foi até a minha garganta em um pulo só.

Ainda saindo do choque, encarava descrente aqueles olhos e sem entender o que estava acontecendo. Como ela podia estar ali. Não nos falávamos há tanto tempo que nenhuma palavra parecia conseguir sair pela minha boca.

- Juls, respira. Eu sei que tem muita coisa a ser dita, mas se acalme e deixe tudo voltar a velocidade adequada. Eu vou te dar um espaço, vou pegar uma água e volto já, tá? – disse ela segurando minhas mãos e olhando fixamente para os meus olhos castanhos desconfiados. Ela levantou e fez o que disse que faria.

 Esse vai ser o voo de 2 horas mais longo da minha história.


Flashback 4 anos atrás

Abro os olhos e não entendo nada. Onde estou? Na enfermaria do colégio? Nossa, tem tempo que não passo por aqui. Desde que me liberaram das aulas de educação física, porque eu causava muitos acidentes, não frequentava muito esse local. Minha cabeça latejava e eu só conseguia pensar na cor azul. Ela me acalmava e ao mesmo tempo me deixava em ebulição.

- Ahh senhorita, Valdés. Que bom que acordou. Estávamos ficando preocupados. Foram 15 minutos de sono profundo, então tivemos que ligar para sua mãe. Ela deve estar chegando em breve. Fique deitada, se possível, até porque não sabemos o que causou esse seu desmaio. – falou Eva, a diretora do colégio, sempre muito imponente e bem arrumada. Ao lado dela estava a enfermeira, dona Silvina, que não ia nem um pouco com a minha cara, já que eu transformava a enfermaria dela em um campo de batalha, de tantos feridos. Elas poderiam não saber o que tinha causado o meu apagão, mas eu tinha uma vaga ideia.

E nesse momento chega minha digníssima mãe enlouquecida pela porta, chorando e já se jogando em cima de mim.

- Mi hija, o que houve, meu coração? Vamos agora para o Dr. Mateo. Ele vai saber o que fazer. Você está bem? Alguém mexeu com você? Me fala quem foi que vai se arrepender pro resto da vida!

- Calma Lupe, eu tô bem. Deve ter sido pressão baixa. Não comi direito de manhã pois já estava atrasada pro ônibus. – tentei acalma-la.

- Mas Juliana, você está sempre atrasada, hija. Tem que comer. De qualquer modo, vamos ao médico nesse instante. – já em tom de mãe mandona

- Não precisa, mãe. Quero apenas ir pra casa descansar. Amanhã se eu não estiver me sentindo bem, vamos ao Dr. Mateo, pode ser?

- Tudo bem. A gente conversa sobre isso em casa. – diz Lupe, sem muita animação.

Enquanto me levantava, observei Silvina na porta, com cara de assustada, mas me parecia querer falar alguma coisa sobre o acontecido. Quando passei do lado dela, depois de agradecer a diretora Eva, ela segurou no meu braço e sussurrou:

- Você teve sorte da menina ter segurado sua cabeça. Ela foi muito rápida. Os outros alunos nem perceberam que ela tinha levantado e corrido até você. – senti um ar sombrio em seu comentário.

Eu a olhei e não consegui fazer nenhuma pergunta, apenas arqueei minha sobrancelha e segui para o carro com Lupita, que para o meu azar, não parava de falar e questionar o que tinha acontecido. Ela sabia que muitos alunos pegavam no meu pé por conta da minha condição. Eu nunca estava na hora. As horas, os minutos e segundos pra mim não faziam sentido. Parecia que tudo passava em menos tempo. Estraguei as poucas amizades que tive não indo a festas de aniversário, quando ia, nunca chegava no horário. Cinema, esquece. Não entendia como chegar a tempo, já que olhava pro relógio e a sessão já havia passado. Quando era pequena, eu ia para a casa de amiguinhas para brincar de boneca e o que eram horas de brincadeira para elas, eram minutos para mim. Me perdia em ficar olhando para os detalhes dos cabelos, das roupas, me distraía e quando ia ver, minha mãe já estava indo me buscar. Não conseguia interagir com ninguém, pois a cada passo meu, parecia que o mundo tinha dado vinte.

Assegurei mais uma vez a minha mãe de que não tinham feito nada comigo, que estava tudo bem e reforcei a ideia da pressão baixa. Quando chegamos em casa, minha mãe resolveu então me entupir de comida, sal e água para garantir que eu estava bem alimentada. Depois de comer, me mandou entrar no banho para depois descansar.

Eu não fazia ideia de como iria conseguir descansar, se só o que conseguia pensar era nela, naqueles olhos, naquele lábio me pedindo pra respirar, naquele cabelo caindo pelos ombros e cheirando a frutas frescas. Não estava entendendo o que estava acontecendo. O porque dela ter invadido os meus sentidos. Eu nunca pensei dessa forma em ninguém pois já havia deixado de lado a ideia de que alguém poderia conviver com a minha condição. Condição essa, que ninguém, nenhum médico, especialista, médium, curandeiro conseguiu entender e decifrar. O único que quis me acompanhar para fazer mais estudos foi o Dr. Mateo, um jovem especialista em síndromes mentais. Tratava do meu caso e ao mesmo tempo era um conselheiro, já que eu não conversava com ninguém sobre o que isso me causava emocionalmente. Com ele, pelo menos, eu me abria e saia do meu muro de proteção.

E lá estava eu, ainda pensando naquela garota. Uma garota. Não havia nenhuma estranheza no meu ser por conta disso. Na verdade, me sentia confortável em tentar lembrar de todos os seus detalhes daquele pouco tempo em que tivemos contato. Isso significaria que eu gosto de garotas? Ou eu me sinto atraída por ela? Bom, eu queria descobrir isso, mas o mais importante nesse momento era descobrir: porque quando ela me olhou meu mundo se transformou?

O que ficou pra trásOnde histórias criam vida. Descubra agora