Ela estava sempre atrasada. Corria para todos os seus compromissos, desde pequena o mundo parecia mais rápido que ela. No colégio, entrava sempre na aula depois do sinal, no esporte era um desastre. Quando ia tocar na bola, a bola já estava no gol ou se fosse vôlei, já estava no chão. Na hora do lanche, ela queria o suco de uva, mas quando ia pegar, não conseguia chegar a tempo e só sobravam os de maçã, que ela detestava. Empregos? Ela tentou algumas vezes, mas seus chefes não gostavam muito do tipo de funcionária que ela era. A faculdade estava acabando, e ela ainda sofria para entrar no esquema que suas roomates estipularam, já que eram 5 minutos de banho para cada uma pela manhã. Juliana tinha o que se pode chamar de síndrome do atraso crônico. Era atrasada, mas com atestado.
Ela só consegue se lembrar de um momento em que tudo parecia estar em câmera lenta, quando a ansiedade não existia, quando ela parecia estar em harmonia com tudo ao seu redor, mas depois que Valentina se foi, o mundo voltou a ser massacrante, como sempre foi.
Hoje, Juliana precisa pegar um avião. Ela salta da cama, entra no banho já escovando os dentes, tentando ganhar tempo. Coloca a primeira roupa que encontra – aquela camiseta velha da banda que faz o mundo ficar um pouco mais cool – uma calça confortável de moletom e nem amarra os sapatos. Entra no taxi, tomando um café que pediu pra viagem, aonde seu nome vinha sempre escrito Julianna. Nunca entendia porque colocavam dois Ns, mas como estava sempre atrasada não entrava em um embate. No caminho, recebe uma ligação, que quase não consegue atender já que seu celular estava no fundo da bolsa, debaixo da carteira e sendo arranhado pelas chaves de casa.
- Alô?
- Hija, já acordou?
- Sim, mami. No caminho para o aeroporto.
- Ainda bem. Estava ligando pra confirmar que você não tinha perdido o voo. Já sabemos como você é. – Lupita, acostumada com o ritmo de sua filha.
- Estou no caminho. Fique tranquila. Não vou perder o casamento do meu primo favorito.
- Ótimo. Até já, mi amor.
Não era nem 9 da manhã e ela já estava exausta. Tirou a mala do táxi, correu para o check-in, escolheu um dos assentos livres mais próximos de uma "saída" para na hora de descer do avião ser mais fácil e não ficar presa atrás de alguém lento ou uma pessoa que não consegue pegar a mala no bagageiro. Com seu documento e sua passagem em mãos, correu para o detector de metal. Claro que esqueceu que colocou o celular e as moedas que recebeu de troco do café no bolso da calça. Voltou para tentar mais uma vez. Ufa, o detector ficou para trás, pensou. Viu que o portão estava errado em seu bilhete, olhou o telão e o certo era no andar de baixo. "Não tenho uma trégua", indagou já irritada. Afazeres com horário eram temidos pela latina, mas ela não esperava que fosse diferente. Parecia que não tinha folga de sua cabeça, só se acalmava quando pensava em uma certa pessoa. Mas a calma passava rápido, pois virava um misto de dor e paz. – Desencana, Juliana. – pensou, em voz alta.
Seu nome já era chamado pelos quatro cantos do aeroporto quando encontrou a fila do embarque. Todos os passageiros supostamente já estavam dentro do avião. Ela dá o bilhete à aeromoça, que está com aquele olhar que ela já conhece, de fuzilamento por ser sempre a última a chegar. Ela entra no avião, todos a olham enquanto desfila pelo corredor até encontrar seu acento. 14 F – Claro que tinha que ser, né? – resmunga para si mesma, número e letra que a fazem lembrar de uma história, que fazia sentido com aquela tão temida e amada pessoa.
Chega ao assento, coloca a mala no bagageiro, aos trancos e barrancos, acertando todos a sua volta. Antes de sentar totalmente, pega seu velho ipod, coloca seu fone, afivela o cinto e dá um suspiro de "missão cumprida". E aí, mesmo imersa nos sons do seu cantor favorito, tentando relaxar depois dessa maratona diurna, ela ouve uma voz, alegre, cheia de vida, reconhecível, assustadoramente familiar e que tira seu chão:
- Sabia que seria a última a entrar, Juls.
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Prossigo? Desisto? Mantenho a chama Juliantina acesa em vcs?
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O que ficou pra trás
Hayran KurguSabe quando a gente acha que tá pronto pra seguir em frente? Que o que passou ficou no passado e não nos afeta mais? Que quem um dia foi importante, hoje é apenas a sombra de uma antiga realidade? Então, esquece. Quando o tempo não importa, passado...