Dourado

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Essa é uma história com pinceladas de fantasia e tons da realidade. Infos verdadeiras se misturam a devaneios de uma mente borbulhante. Espero que gostem!

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Você já gostou tanto de alguém que quando você acorda pensa que dormir com aquela pessoa na noite seguinte vai ser a melhor coisa que você já viveu, mas ai quando vai dormir você repensa: mentira, acordar amanhã vai ser ainda melhor? Ou até já considerou os piores defeitos daquele ser como as coisas mais lindas de uma existência, como esquecer quase todos os dias o ferro de passar roupa ligado, a água do café fervendo, a roupa lavada dentro da máquina por dois dias, ou até mesmo roubar seu lençol durante a noite e esquecer de pagar a conta de luz porque tinha perdido a chave da caixa de correio?

Eu e Valentina não deixávamos em momento algum de se implicar por conta desses defeitos ou imperfeições que cada uma demonstrava, mas no fundo, não imaginávamos mais as nossas vidas sem essa dinâmica de casal. Se ela entrava em casa e deixava o sapato no meio da sala, eu fazia questão de deixar o par o tempo que fosse até que ela se tocasse do acúmulo no meio do cômodo, ou deixava alguns recadinhos no espelho do banheiro lembrando que a sala era pequena para tantos pares de sapato. Mas ao lado desses recadinhos desaforados, sempre tinha um que repetia o quanto a amava, então o equilíbrio entre nossas implicâncias e momentos amorosos era restaurada.

Eu tenho certeza que por conta da nossa vivência e da nossa dinâmica, não somos um casal normal, desses aos montes por ai, que ficam juntos por conveniência, ou que não se gostam mais e têm medo de se separar, ou até mesmo aqueles que gostam de fazer o companheiro ou companheira sofrer com ciúmes, imposições e falta de parceria. Nos considero equilibradas até onde nossa história nos deixa ir, pois sabemos que normal de fato, nunca seremos. E tudo bem com isso. Apesar de sempre ter tido a vontade de experimentar ser normal, eu não queria estar com alguém normal se isso significasse ser alguém diferente de Valentina. Esses eram os meus pensamentos enquanto ela preenchia uma ficha na sala de espera da emergência médica.

- Nossa, esse questionário não acaba. Não podemos ir embora, Juls? Eu tô me sentindo melhor. – ela reclamava desde a hora em que saímos de casa.

- Não! Que que custa você fazer alguns exames? Aposto que não faz há muito tempo.

- E você, Valdés? Você fez exames ultimamente? – ela queria virar o jogo, mas não venceria tão facilmente.

- Você não vai se livrar de ir ao médico apontando que eu estou errada, consegue entender a situação? Ambas estamos sendo relapsas, mas nesse momento, é a senhorita quem vai se tratar. Em breve, te prometo ir a todos os consultórios que precisar, ok? – eu tentei acalma-la segurando sua mão, que tremia e estava gelada. – Val, não fique tão nervosa. Eu estou aqui.

- Eu sei, mi amor. Mas eu não gosto de médicos e além disso...tenho medo.

- Medo dos médicos?

- Também. Mas... mas e se ...for algo sério? – naquele momento compreendi quanto o nosso passado nos tinha afetado. Poderia parecer que ela tinha superado tudo o que nos havia acontecido, mas transparecia o medo de tudo que nos cerca, da falta de paz, dos terrores das nossas experiências.

- Olha pra mim. Está tudo bem. Eu estou com você e vai ficar tudo bem, tá? – eu a olhava com muito intensidade e queria que ela soubesse que para qualquer momento da vida dela eu estaria ali, apesar de a achar tão mais superior e especial que eu.

Valentina balançou a cabeça concordando, até porque não tinha escolha e eu a faria entrar no consultório de qualquer jeito. Ela estava incomodada há muito tempo e eu só queria que ela sentisse algum alívio. De repente uma voz a chamou.

O que ficou pra trásOnde histórias criam vida. Descubra agora