Quebra-cabeça

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Amor. Essa palavra usada muitas vezes de maneira banal, às vezes jogada aos quatro ventos por comodidade. Sabe, quando você fala no automático? Responde que ama também sem pensar na profundidade que uma palavra pode ter? E é tão complexo o sentimento que essa palavra transborda. É a mais completa emoção que podemos ter e por isso não conseguimos dimensiona-la, mas ao mesmo tempo, se dita com propriedade, com vontade mesmo, com o afeto que ela merece, sabemos muito bem o que ela significa. Ela significa tudo.

Mas quem falou que amar era fácil? Na verdade, realmente sentir isso por alguém é como se jogar ao desconhecido esperando que o melhor aconteça, só que sabendo que a possibilidade de encontrar a beira de um penhasco e escorregar é enorme. Quando há amor envolvido, há medo da perda, há a desilusão e o constante pensamento de como seria sobreviver sem essa coisa que tanto queremos por perto. Antes de fechar meus olhos naquele momento de dor profunda, eu sabia que Valentina havia enxergado o penhasco de perto. Passamos anos separadas, mas no fundo sempre acreditamos que nos encontraríamos novamente, que estávamos destinadas. Enquanto meu sangue jorrava no chão do nosso apartamento, o medo de me perder era real para a mulher que eu simplesmente amava com toda a minha alma. Esse foi meu último pensamento antes da consciência se esvair de mim: sobreviveríamos ao pavor da perda?

Um solavanco. Um soco no estômago. Uma injeção de adrenalina em peito. Era o que parecia que tinha acontecido comigo quando abri meus olhos e me deixei ser sugada para o presente. Já era familiarizada com aquele quarto branco ao meu redor. Infelizmente eu já o reconhecia apenas pelo seu cheiro de éter e seu ar quase congelante. Era de madrugada, pois estava um silêncio descomunal lá fora. Olhei ao redor das quatro paredes que me cercavam e a vi. Aquele corpo magro que era só meu, encolhido em uma poltrona quase metade do seu tamanho. Ela era grande, mas achava engraçado que quando estávamos grudadas, ela se encaixava em mim como se fosse um filhote de cachorro minúsculo querendo colo.

- Val..

Agora, o solavanco foi dela. Quando ouviu seu nome saindo pela minha garganta seca e rouca, se virou bruscamente fixando seu olhar em mim, como se eu tivesse gritado com meu timbre mais agudo.

- Amor....você...você está bem? Meu deus, que bom... eu tava tão nervosa... – ela agora chorava sentada naquela cama de hospital. Parecia com medo de encostar em mim, não chegava tão perto quanto eu gostaria, se mantinha distante. Por quê?

- O que houve, amor? Como.. como vim para aqui?

E com essa pergunta, ela se afastou mais ainda. Limpou a garganta como se não soubesse por onde começar a explicar e foi sentar onde estava antes, o que me incomodou bastante.

- Deixa eu chamar o médico antes, pode ser? Pra ele ter ver acordada... – e assim, fugiu do quarto em busca do plantonista, pois era de madrugada de fato. Eu estava muito confusa, pois a última coisa que lembrava era do close do rosto do meu digníssimo pai, enquanto nos enfrentávamos em uma batalha de olhares.

Valentina voltou com o médico e uma enfermeira. Mediram minha pressão, ouviram meus batimentos e fizeram alguns testes físicos, tudo sob a supervisão da minha namorada, que não tirava o olhar nervoso de cima de mim, andando de um lado pro outro nas costas dos profissionais. Ela com certeza estava pensando em como iria explicar tudo que havia acontecido naquele dia, ou já seria outro dia? Eu não tinha como saber quanto tempo havia se passado. Não demorou muito, o médico saiu da sala me avisando que voltaria em breve para me levar para fazer alguns outros exames de imagem, para ver se tudo corria bem com meus ferimentos. Sim, ferimentos, no plural. Eu estava sob altas doses de remédios para dor, mas o que eu podia sentir era que algo tinha acontecido na minha batata da perna direita, na minha cabeça perto do pescoço e é claro, minha barriga parecia que tinha sido esticada e um pedaço havia sido cortado fora. A sensação era esquisita, imagina se não estivesse sob efeito de drogas pesadas?

O que ficou pra trásOnde histórias criam vida. Descubra agora