Seja feliz

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Era inevitável que não ficaríamos juntas depois daquela noite. Não só pelo fato de que os primeiros amores geralmente apenas passam pela nossa vida, não são amores eternos. Aprendemos com ele, relembramos momentos, nos perguntamos se teriam durado caso tivéssemos feito algo diferente, mas normalmente são os primeiros e não os únicos. Minha mãe conheceu meu pai muito jovem, acreditou por muito tempo que aquele tipo de amor violento, inconsequente, dramático era o único que existia, mas ai ela conheceu o Panchito, seu namorado. Ele a trata com carinho, é doce e respeitoso. Transformou sua visão de relacionamento e a fez se sentir merecedora de amar e ser amada.

Já a minha constatação de relacionamento pós- Valentina não pode ser chamada de aprendizado, foi mais um tratamento de choque mesmo. Eu nunca mais senti o que senti com aquela garota. Nunca mais beijei uma boca como a dela, nunca mais tive uma noite de amor como a nossa, nunca senti calafrios ao ouvir a risada de outra pessoa nem me arrepiei com o toque de outra pele. Pra mim, o conceito de amor havia se desfeito. Me parecia uma ilusão que tive e que nunca mais aconteceria. Tentei algumas vezes me forçar a ser normal e me relacionar, mesmo tendo dificuldade com a questão da minha lentidão. Realmente me esforcei pra esquecer que ela existiu, já que eu considerei que ela devia estar fazendo o mesmo.

O que foi falado naquela noite foi muito, mas não foi tudo. E por não ter sido tudo, serviu para que eu tivesse certeza que nosso afastamento era o que eu já pensava: inevitável.

- Senhoras, aceitam uma água, uma coca, um suco? – esqueci onde estávamos até que a aeromoça nos puxou a atenção. Minha boca estava seca há tempos, mas estava tão imersa naquela piscina azul que deletei da mente que estávamos a milhares de metros do chão, em um voo que parecia sem fim.

- Eu aceito uma água. – eu disse já esticando a mão.

- Obrigada. Nada pra mim. – Val me observava tomando aquele copo d'agua. – Alguém estava com sede.

- "Alguém" está confusa, isso sim. Valentina, me diz, que que você tá fazendo nesse voo? Você sabia que eu estaria aqui? Por favor, te peço pra uma vez na sua vida ser completamente sincera comigo.

Ela não tinha como me negar esse pedido depois de tudo que passamos. Eu até estava sendo educada com ela, mas ela e eu sabíamos que não era por que eu era legal, e sim porque eu realmente não conseguia dizer não para aquele ser. Maldita seja essa perfeição de mulher.

- Eu estou aqui exatamente porque eu não quero e não preciso mais mentir pra você. E porque eu sei que se eu te procurasse em um ambiente que você pudesse fugir, você já o teria feito, correto? – ela sorria constatando o fato que eu concordei. Eu tentaria fugir dela. Não sei se conseguiria, mas daria um trabalho pra me convencer que eu tinha que encara-la novamente.

- Então, por esse motivo estou nesse avião. Para que você não fuja e nossos episódios não possam acontecer tão facilmente, já que temos que nos controlar. Vamos respirar e nos olhar. Não é assim que funciona? – a filha da mãe me encarava profundamente, de vez em quando baixava o olhar para a minha boca. Me viu tentando respirar normalmente e falhando miseravelmente na tentativa. Foi quase um gemido que saiu quando a vi mordendo o lábio. Perdi a calma.

- Valentina, pelo amor de Deus. Para de me provocar. Eu vou te deixar sozinha nessa merda desse avião e vou sentar com as aeromoças.

Ela ria sem controle e como eu amava aquela risada. Colocava a mão na frente da boca, pra que o som saísse mais baixo, mas era inútil. Me contagiou e eu ri também, batendo em seu braço para que parássemos. Confesso que senti um prazer de dar um tapa nela, que saiu um pouco mais forte que eu acreditei que sairia.

O que ficou pra trásOnde histórias criam vida. Descubra agora