Controle-se

1.5K 104 20
                                    

Por que eu não era normal? Como eu poderia falar qualquer coisa interessante sem parecer uma idiota? Não tinham nem 48 horas que nossos olhos se cruzaram e ela já tinha sido a minha salvação duas vezes, literalmente me segurando para que eu não caísse. Agora estou eu, aqui sem falar uma palavra, sendo levada pela mão até o banheiro feminino mais próximo, pela garota mais linda que eu já vi na minha vida. A mesma que supostamente me ajudou quando eu tive aquele desmaio louco e a mesma que deixa o meu mundo mais calmo e faz o tempo passar devagar.

O silêncio foi quebrado quando entramos pela porta, ela soltou o meu braço e se virou para me encarar.

- Antes de mais nada, queria te dizer que aqueles garotos são uns idiotas e eles não podem fazer aquilo que fizeram com você. Que raiva que eu tenho. Homens, sempre uns bobos – ela falou revirando os olhos e eu dei um sorriso acanhado e baixei meu rosto. Por um momento esqueci o motivo de estarmos ali. Até que ela falou novamente.

- Posso dar uma olhada? – ela pergunta quase tocando a blusa que cobria minha barriga. No susto, me afastei. Ela percebeu meu desconforto e pediu desculpas, com um olhar sem graça, mordendo os lábios e se afastando de mim.

- Não. Desculpa eu. Só não estava esperando isso. – Tentei explicar a situação para ela saber que não tinha feito nada errado. – Juliana, prazer. – Disse me apresentando e esticando minha mão direita para que ela se apresentasse também.

- Valentina. Muito prazer, senhorita Valdés. – ela me respondeu com um tom parecido com o da professora Lucia. – Podemos dar uma olhada no seu machucado ou você prefere ir para a enfermaria de novo? – Ela colocou a língua entre os dentes e sorriu. Quase cai para trás ali mesmo e com certeza meus olhos denunciaram esse deslize quando foram diretamente para a sua boca. Tentei rapidamente sair do transe e responder.

- Não! Por favor, nada de enfermaria. A dona Silvina, que é a enfermeira, não é muito minha fã e acho que ontem foi o suficiente para matar a saudade que ela tava de mim – ela riu da minha resposta e se aproximou, o que fez as minhas pernas ficarem bambas.

- Então, levanta sua blusa pra gente dar uma olhada. Tenho experiências em curativos de tanto que me machuquei na infância.

Quando eu levantei minha blusa, ela se abaixou um pouco para aproximar os olhos do machucado e passou a mão na minha barriga, de leve. Prendi o ar e um arrepio subiu pelas minhas costas, meus braços até chegar ao meu rosto. Que que essa garota estava fazendo comigo? Nunca nem estive tão perto de alguém, muito menos de alguém que eu considerasse o ser mais perfeito que já existiu. Se controla, Juliana. Pelo amor de Deus, se controla e não dê uma de esquisita.

- Então, senhorita Valdés. Parece que algo afiado entrou pela sua linda barriga deixando um furo consideravelmente fundo aqui. Chutaria que foi um parafuso da porta, talvez. – ela falava em tom sério, como se imitasse uma médica me dando um resultado de um exame complexo.

- Era o que me faltava mesmo. Será que eu tenho que tomar uma injeção? – perguntei pra ela com olhos arregalados, ligeiramente tristes, pois quem gosta de injeções, né? E eu já tinha muito problema na minha vida.

- Olha, Juls – um pequeno sorriso invade meu rosto com esse apelido, mas não posso demonstrar o quão feliz eu fiquei. Se controla, "Juls". – eu acho que é melhor sim você cuidar disso direitinho. Não quero ver você tendo alguma infecção ou coisa parecida porque te desencorajei a tomar uma injeçãozinha. – ela fala sorrindo e se virando de costas pra mim, enquanto anda até sua mochila azul, que estava jogada num canto do banheiro. Valentina se abaixa, abre a mochila e pega uma bolsinha.

Ela anda em direção a mim abrindo a bolsinha e tirando alguns itens. Eu só a observo e imagino o que vai acontecer em seguida, sem tirar por nenhum segundo os olhos das suas ações. O mundo nem se mexe. É o que eu sinto. Parece que estamos em um universo paralelo onde tudo ao nosso redor está estático e apenas nós duas nos movemos, lentamente, sem pressa. Como pode, se eu sempre estou com pressa, relembro mentalmente.

O que ficou pra trásOnde histórias criam vida. Descubra agora