Depois que um grande fenômeno explosivo destrói metade da região de Borderglide, Sea, Joey e Benjamin precisam unir as forças e sobreviver à nova realidade, onde imperam a fome, a solidão, o desespero e, sobretudo, o caos.
Para onde ir quando tudo...
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Acordei tossindo novamente. Dessa vez, de maneira mais compassada, mas igualmente dolorosa. Eu estava tentando abrir os olhos, que ainda ardiam ferozmente, e eu ainda sentia os grãos de areia passeando sob minhas pálpebras. Naquele momento eu não fazia noção de onde estava ou do que estava acontecendo, eu nem mesmo sabia que havia sobrevivido. Porém, lá estava eu. Acabada, mas pelo menos viva.
Senti lágrimas escorrendo lateralmente pelas minhas bochechas até chegarem ao meu pescoço, e minha cabeça doía tanto que parecia estar sendo esmagada entre duas barras de ferro sólidas e pesadas. Tentei mexer meu corpo e soltei um gemido alto e sofrido. Como eu queria ter alguém por perto pra me ajudar!
— Sea?! Ei... — E então a voz doce do Joe me alcançou. Eu suspirei por saber que ele estava perto, mesmo sem poder vê-lo, até que senti seus dedos se arrastando pelo meu rosto, provavelmente para enxugar o rastro de lágrimas que deixei.
E, por algum motivo, eu me despedacei quando ele me tocou. Como se eu estivesse toda rachada, a ponto de que um simples tocar de dedos me desfizesse.
— Ei, tá tudo bem, calma... — Foi o que ele disse, mas eu comecei a chorar ainda mais. De maneira silenciosa, sim, mas algo me dizia que lá fora fazia muito barulho, e minha cabeça estava tão cheia...
Quanto mais eu chorava, porém, minha cabeça zumbia e girava, e eu sentia uma dor vibrante e crescente nas têmporas. E nos braços. E nas pernas.
Eu sabia que não estava nada bem, mas a minha memória falhava demais naquele momento, e por incrível que pareça, eu não lembrava do terremoto. Eu não sabia por que estava naquela situação, mas, mesmo assim, estava feliz por não estar sozinha.
— Ben, ela está gelada... Tenho certeza que levamos dois cobertores na mala, procura pra mim, por favor! — Joe.
— Ela vai morrer?! — A pergunta preocupada de Dener me fez querer sorrir e, falando sério, eu não sei por que não consegui fazer isso.
— Não... Ela não vai morrer, Dener! — Joe suspirou.
Houve um silêncio repentino e o vento nos atingiu com força. O vento gelado da madrugada, eu conhecia bem! E eu senti meu corpo todo tremendo em algum tipo de alta magnitude, porque eu sentia os espasmos e mesmo assim não era capaz de controlá-los.
Foi quando eu comecei a ter várias sensações estranhas.
Primeiro, fui deixando de sentir o chão abaixo de mim. É como se ele estivesse se desfazendo e, em seu lugar, eu estivesse boiando sobre o leito de um rio tranquilo e congelante. Meu corpo tremia, mas isso já não era mais um incômodo, porque ao mesmo tempo em que a água me congelava, ela me acalmava, e eu sentia as batidas do meu coração ficarem lentas e compassadas. Não ouvia mais vozes, nem chiados, e não havia ansiedade.
Depois, percebi que meus olhos não estavam mais ardendo, e quando eu os abri eu vi o lindo céu estrelado. Um azul intenso, vigoroso, profundo. Tentei olhar ao redor, mas tudo que havia era água. Água para todos os lados, a mesma na qual eu estava deitada. Porém, de repente, senti um toque de dedos engiados, úmidos e alvos. Fui elevando meu olhar até chegar ao seu rosto, e foi naquele momento que senti meus cacos sendo juntados.
— Mãe?! — Perguntei com a voz trêmula, e um sorriso se seguiu no rosto dela.
Eu pude ver seus fios loiros voando por entre as moléculas de água onde estava submersa. Ela imergiu e eu finalmente vi seu rosto a apenas milímetros de distância de mim.
— Mãe, como... O que... Como você... Você... Meu Deus, mãe! — Minhas palavras não formavam frase alguma, mas ela não estava morta. Não naquele momento.
Eu podia vê-la na minha frente e, por isso, estiquei meu braço para tocá-la, mas antes que conseguisse fazer isso, a correnteza se formou. Sem início ou explicação. Ela se formou e eu estava afundando.
Mesmo começando a me afogar, ainda vi quando meu pai apareceu ao lado dela. Ele a olhou com ternura e pôs o braço direito sobre seu ombro. Depois, olhou pra mim e sorriu orgulhoso.
— Você está em um lugar diferente do nosso, Sea! — Foi o que ele disse, e então meu corpo mergulhou com força, puxando-me para baixo. Não era o que eu queria, mas foi o que aconteceu.
Comecei a espernear e tentar voltar para a superfície. Mexer os braços, tentar nadar, sair dali. Mas nada. Eu apenas afundava. Para a imensidão azul. Azul como o céu. Azul como o céu intenso e estrelado daquela noite. Daquela noite que eu não conseguia mais ver, pois já estava do outro lado.
Queria gritar e chamá-los para mim. Eu não queria que eles me salvassem, eu só queria vê-los mais uma vez. Tocá-los, ouvi-los.
Estava prendendo o ar nos meus pulmões, mas não sei por quanto tempo aguentaria. E então senti meu corpo chegar ao fundo, tocar a areia que lá dentro parecia tão seca e leve, se mostrando para mim como em algum tipo de efeito Tyndall inverso. E as plantinhas verdes que pendiam do solo me abraçaram. Me enlaçaram com força e coragem, com desejo. Eu estava presa.
Vi as bolhinhas de ar que eu soltava pela boca e comecei a sentir o gosto da água gelada do rio matar minha sede. Ela estava me completando, me preenchendo. E logo, logo, eu seria parte dela. Tinha certeza disso.
Olhei para cima mais uma vez, a última, mas minha mãe não estava mais lá. Nem o meu pai. Eu estava sozinha. Sozinha nas profundezas das águas, no meu céu particular. Será que aquilo seria para sempre?
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