Naquela noite, sonhei que meu pai aparecia no bunker com um pequeno bolo de aniversário e algumas velas faiscando luz sobre seus olhos. Seu olhar era caloroso e gentil, amigável, brincalhão, como o homem que era. Eu ouvia ainda um coro cantando parabéns para mim, mas não via ninguém, era apenas o meu pai e o bolo no meio do corredor da ala dos abrigados. Em cima do bolo, uma vela com o número 0.
De repente, o chão e tudo à nossa volta começava a tremer e nós perdíamos o equilíbrio. Eu caí; meu pai e o bolo, também. As velas se apagaram, as pessoas pararam de cantar e houve um silêncio profundo. Tudo estava escuro. Até que ouvi uma sirene alta soando sobre o ambiente e eu coloquei as mãos sobre os ouvidos.
Quando abri os olhos, as luzes do dormitório já estavam acesas e eu ouvia Hanna se mover na cama acima da minha. Naquele momento, percebi que duas coisas do sonho eram reais. Um: a sirene que avisava que o café já estava pronto estava tocando. Dois: era o dia do meu aniversário.
Precisei de alguns minutos para chegar à essa conclusão. Tive que tentar lembrar qual era a data em que o terremoto aconteceu e também fazer o cálculo conforme os dias que William me disse que eu tinha passado aqui. Ainda assim, porém, as contas não batiam.
Cobri minha cabeça com o edredom cinza e respirei fundo. Então comecei a pensar na noite anterior.
Eu e William ainda passamos mais algum tempo conversando, e logo voltamos a falar sobre a situação em que estávamos. Ele disse que havia muito mais coisas acontecendo além do que poderíamos imaginar, mas que eu ainda não estava pronta para ouvi-las. Disse que queria me proteger ao máximo e que quanto menos eu ficasse sabendo, seria melhor, pois não teria nada a perder, mas que em algum momento precisaria contar a verdade a todos, pois não sabia se iria conseguir contornar a situação ou receber o apoio necessário para nos tirar dali.
De todo modo, ele confessou a mim que sentia que tudo dependia dele, e que ele não estava conseguindo lidar com o peso de precisar, utilizando suas próprias palavras, "salvar a todos". Falou que suas ideias não recebiam muito apoio de seus colegas e que muitas vezes ele era desacreditado por ser o mais novo e o que tinha menos tempo de serviço na Corporação.
Quanto mais ele falava, porém, mais aumentava a minha curiosidade e eu estava louca para descobrir a que ele estava se referindo, o que tinha acontecido realmente conosco e o principal: por que aquilo dependia tanto dele.
Suspirei.
Por um lado, eu estava aliviada. Não sentia mais tanto medo ou receio dele depois de tudo o que disse, de ter desabafado, se aberto e colocado pra fora, mesmo que não completamente, muitas coisas que o afligiam.
Nesse lado, eu me sentia até especial. Ele havia se apegado a mim e sentia que eu era alguém em quem podia confiar, e isso era bom. Era bom porque, se ele estava tão à frente assim de todos nós, eu também estava à frente se era em mim que ele confiava. Eu poderia ter acesso a informações que ninguém mais teria e isso poderia ser essencial para que eu ajudasse meus amigos e meu irmão.
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Tempestade de Areia
AventureDepois que um grande fenômeno explosivo destrói metade da região de Borderglide, Sea, Joey e Benjamin precisam unir as forças e sobreviver à nova realidade, onde imperam a fome, a solidão, o desespero e, sobretudo, o caos. Para onde ir quando tudo...