Estávamos todos suados, fedendo e cansados. Tínhamos acabado de encher metade da carroceria da 4x4 do pai dos meninos, debaixo do sol e sob o efeito do calor. Nós resolvemos separar bastante suprimentos para o caso da gasolina acabar e ficarmos perdidos no meio do nada.
Depois de algum tempo, porém, comecei a me sentir fatigada e, apesar do suor, meus pés, braços e mãos estavam gelados, e minha cabeça estava latejando. Por um momento, o mundo girou rapidamente ao redor de mim, e eu andei meio cambaleante até uma árvore próxima. Vendo que todos estavam muito ocupados, porém, preferi não interromper as atividades de ninguém, aliás, a minha saúde não era mais importante do que a de qualquer outro que estava ali; se todos estavam trabalhando sob as mesmas condições, então certamente eu logo me recuperaria.
Recostei-me no tronco e, ao sentir as gélidas gotas de suor escorregando da minha testa, tentei imaginar o que poderia estar acontecendo. Seria a fome, glicemia baixa, falta de nutrientes? Poderia ter algo relacionado com a pancada de ontem? Ou seria só o efeito ferrenho do sol?
Respirei fundo. Em questão de segundos senti meu tônus muscular enfraquecer. Para o meu próprio bem, decidi sentar-me na terra e apoiar as costas e a cabeça na grande árvore. O que antes estava apenas latejando, havia se transformado em uma dor crescente e penetrante, e então aproveitei para desamarrar e remover o retalho de camisa que apertava minha testa.
Assim que o removi, senti minha cabeça pesar e uma forte sensação de tontura veio sobre mim, não me permitindo abrir os olhos nem mesmo para verificar o estado da camisa. Apertei minhas têmporas com as duas mãos, na intenção de adormecê-la, mas a consequência foi um mal-estar feroz. Apoiei-me no chão com uma das mãos para tentar me equilibrar, e foi quando percebi que estava tremendo.
Decidi relaxar mais o corpo e deitar naquele solo, me arrependendo amargamente por não ter chamado alguém antes, quando ainda podia. Naquele momento, meu corpo estava tendo umas reações tão estranhas que eu já me sentia distante da realidade.
Não muito tempo depois, um sono forte e pesado foi chegando até mim, e deixar me levar por ele era a coisa menos dolorosa a se fazer.
— Sea?! Ei, o que aconteceu?! Meu Deus! Sea?! — Fui despertada repentinamente por uns pequenos solavancos no corpo e uma voz bem próxima. Era uma voz masculina e eu tinha certeza que a conhecia de algum lugar, tinha certeza que já tinha ouvido-a diversas vezes durante a minha vida.
O senti tocar minha pele e abri os olhos devagar. Estavam tão pesados!
— Pai?! — Foi o que me ouvi dizer quando abri os olhos e o vi bem na minha frente. Como era possível que ele estivesse bem ali? — Como você... O que está fazendo aqui?
— Caramba, você não está nada bem! — Ele exclamou depois de tocar minha pele com firmeza.
— Pensei que estivesse no lago. Por que você voltou? — Perguntei por entre as batidas dos meus dentes inferiores nos superiores. Meu corpo também tremia e o frio havia voltado com intensidade. Apesar de tudo isso, porém, eu só queria entender como meu pai havia conseguido voltar e me encontrar.
Ele então segurou minhas bochechas com uma das mãos e virou meu rosto para a lateral. Seu toque era quente e agradável, e eu voltei a fechar meus olhos. Depois pegou em minha mão direita e passou seu polegar pelas pontas dos meus dedos.
— Está machucada! — Ele exclamou. — Vem cá! — E então senti seus braços passando por debaixo do meu corpo e me levantando. Minha cabeça girava e eu senti um frio no estômago. Por um momento, pensei que estava desabando e tentei me equilibrar nele, apertando-o, mas eu sabia que estava segura em seus braços.
— Ei, ei, ei! Calma! Está tudo bem, tudo bem... — Sua voz me acalentava.
Não sabia como, mas estava feliz que ele tinha voltado!
Recostei a cabeça em seu ombro e senti vontade de abraçá-lo. Eu realmente pensei que nunca mais o veria!
— Calma aí, Sea! Vai ficar tudo bem! — Ele dizia em um tom reconfortante, mas eu ainda conseguia sentir seu medo lá no fundo.
— Mas o que aconteceu com você?! E há quanto tempo está aqui?! Nós estávamos te procurando! Por que não falou nada?! — Meu pai engatava uma pergunta atrás da outra enquanto caminhava, e a junção disso com os solavancos, que eu sentia a cada passo que ele dava, estavam me deixando louca!
— Pai... — Sussurrei e tentei chamar sua atenção. Eu estava tão sufocada com tudo o que estava sentindo que só sentia vontade de chorar.
— Meu Deus! Você está me deixando muito preocupado, Sea! Caramba! — Exclamou, mas eu já nem estava mais tão atenta ao que ele dizia. Uma sensação terrível de agonia transpassava meu corpo inteiro naquela hora.
— Pai! Eu... Não aguento... Mais! — Falei pausadamente, e era verdade. Eu só queria parar de sentir aquilo. Queria qualquer coisa que fizesse parar!
— Não, não! Fica comigo! Fica aqui, Sea, estou aqui com você! Aguenta! — Seu tom de voz estava preocupado e nervoso, e ele ficava repetindo pedidos incessantes para que eu tivesse forças. Eu não o culpava por isso, mas realmente não estava mais aguentando, e ouvir sua voz sem parar estava aumentando ainda mais as dores na minha cabeça.
Comecei a soltar gemidos cada vez mais frequentes e altos. Eu queria que parasse! Queria que qualquer um fizesse qualquer coisa que parasse aquelas sensações! Eu precisava de ajuda.
— PESSOAL, EI! ELA ESTÁ AQUI! CORRAM! PRECISO DE AJUDA! — Ele gritou em um tom extremamente alto e aquilo fez minha cabeça se comprimir.
Fiz uma careta e soltei um gemido estridente. Muito mais do que imaginei que conseguiria naquelas condições.
— Shiii! Aguenta firme, Sea, vamos te ajudar... — Ele disse e depois suspirou, me puxando para si. — De alguma forma, vamos! — Sussurrou, e depois de alguns segundos ouvi vozes de outras pessoas.
Apesar de ter entendido as primeiras frases, em alguns instantes eu já não conseguia distinguir mais nada do que diziam. Eu estava ouvindo-os perfeitamente, mas nenhuma das frases fazia sentido pra mim. De repente eram só palavras soltas ao vento, não tinham significado e nada se formava em minha mente. Nada. Eram só barulho.
Franzi as sobrancelhas por tanto tempo que já não conseguia voltar ao normal. A dor estava me consumindo e a agonia, tomando conta de mim. Eu queria me espernear e chorar até não conseguir mais e, pra ser sincera, não sabia por que eu não estava fazendo nada daquilo. É como se minhas forças estivessem simplesmente se esgotando. Como se nada mais fosse palpável ou possível.
Eu não sabia o que estava acontecendo e nem mesmo como poderia sair daquela situação. Porém, se fosse pra ter que permanecer consciente, eu preferiria qualquer outra coisa que me fizesse apagar. Eu não queria mais continuar ali. Não daquela forma. Não naquelas condições.
Só queria me desligar até que tudo voltasse ao normal.
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Tempestade de Areia
AventuraDepois que um grande fenômeno explosivo destrói metade da região de Borderglide, Sea, Joey e Benjamin precisam unir as forças e sobreviver à nova realidade, onde imperam a fome, a solidão, o desespero e, sobretudo, o caos. Para onde ir quando tudo...