Capítulo 1

7.6K 331 28
                                    

Danyelle olhou as gotas de chuva que escorriam pelo vidro da janela do ônibus sem dar trégua. Estava há um dia e meio viajando. Na verdade, fugindo, esta era a palavra correta. Fugindo do sofrimento.
Seu destino? São Paulo.
Deixava o interior do RS, querendo apagar as mágoas e a rejeição, da qual tinha sido vítima nos últimos dias. Tentaria dali para frente, levar uma vida sozinha, bem longe de quem tinha quebrado seu coração.
A imagem de Vítor Montenegro não abandonava sua mente e por mais que estivesse a centenas de quilômetros de distância, as lembranças dos momentos que viveram e da humilhação que passou não saíam de seu coração.
Suspirou profundamente, se ajeitando na poltrona. Suas costas doíam e sua barriga roncava de fome, mas não poderia se dar ao luxo de fazer uma refeição completa em alguma parada na estrada.Pois o dinheiro que dispunha precisava ser poupado, visto que não saberia quanto tempo demoraria para arranjar um emprego numa cidade completamente desconhecida para ela. Nunca tinha saído sozinha da fazenda, não tinha conhecimento de mundo.No entanto, a decisão no momento, era a mais acertada. Jamais poderia conviver com Vítor e a noiva sob o mesmo teto, mesmo que a presença deles fossem raras na fazenda, em visitas a Augusto.
"O que os olhos não veem, o coração não sente." - pensou quando atravessou o grande portal, que exibia com letras trabalhadas o nome da fazenda.
Sofrer seria uma opção e ela não estava disposta a pagar o preço.
Seus pensamentos regressaram, a levando ao lugar que tinha deixado para trás: a Fazenda Pampas, de propriedade de seu padrinho Augusto Montenegro, onde tinha crescido desde os 12 anos de idade.
Os Montenegro eram de uma família tradicional, riquíssima, donos de quase todas as terras da região; criavam gado de corte para exportação e as lavouras de soja, se perdiam no horizonte.
Augusto era o pai de Vítor e se tornou a pessoa que a salvou de ter ido para um abrigo de menores órfãos quando ela perdeu os pais, vítimas de um acidente de carro em Porto Alegre.
O único filho de seu padrinho começou a fazer parte de seus sonhos românticos e inocentes quando estava entrando na adolescência, com cerca de treze anos.
A primeira vez que o viu, foi quando veio passar alguns dias, das férias de verão, com a família e Dany ficou encantada.
Ele estava na faculdade de direito e pelas conversas que ouvia entre sua madrasta, Celeste, e o pai, queriam que Vítor se tornasse político. Algo que exercia, inicialmente, como presidente do Diretório Central dos Estudantes da universidade e já era o orgulho de ambos. Eles vislumbravam um futuro promissor em Brasília, para Vítor, que defenderia os interesses dos ruralistas da região. O incentivo para que isso acontecesse vinha em forma de apoio aos seus estudos.
Augusto, padrinho de Dany, estava na política há anos. Já tinha sido vereador da pequena cidade de São Miguel Arcanjo, prefeito e agora, deputado estadual do Rio Grande do Sul.
Vítor, 12 anos mais velho que Dany, sempre foi bonito e tinha os olhos mais lindos que alguém poderia possuir, que eram de uma cor azul acinzentada, enigmáticos e frios. Característica, última, que Dany só percebeu de verdade, alguns anos mais tarde.
Obviamente, que na época de sua adolescência, ele sequer lançou um olhar para a magricela, de cabelos castanhos claros, escorridos, que seu pai criava. Ela era apenas uma pirralha boba, que nutria um amor adolescente e platônico pelo filho do padrinho. Vítor sabia disso pelo modo como ela se embasbacava e se atrapalhava cada vez que ele se aproximava, o que o levava a dar boas gargalhadas e zombar dela. E era nesses momentos, que ela corria para o quarto, morrendo de vergonha por ser tão idiota.
Todas as férias e feriadões, ele voltava à fazenda e muitas vezes, Dany o surpreendeu aos beijos e amassos com Priscila, a filha de Celeste, quase da mesma idade dele, que também estudava, na mesma faculdade na capital.
Não foram poucas as manhãs, do tempo de férias, que o viu saindo do quarto dela e sempre que isso acontecia, um sentimento estranho tomava conta de Dany, como se ficasse vazia. Não entendia muito bem o que era e só anos mais tarde, compreendeu que o que sentia jamais sairia de seu coração, mesmo sendo desprezada e humilhada.
Mas o tempo passou, fazendo Dany se dar conta que nada é para sempre e que ele podia sim, ser muito generoso. Ela agora, com vinte e três anos, tinha se tornado uma linda mulher. Seu corpo ganhou formas voluptuosas e insinuantes e seu sorriso, livre dos ferros do aparelho ortodôntico, arrancava elogios quando as duas covinhas se formavam em suas bochechas, lhe dando um ar de inocência. Seus cabelos castanhos claros, lisos e brilhantes caíam como uma cascata pelas costas e emolduravam o rosto bonito e delicado, enfeitado pelos grandes olhos, também castanhos, com cílios espessos e longos.
Além da beleza física, ela trazia no semblante, a meiguice. E nos gestos, a delicadeza. Era difícil alguém não se fascinar por Danyelle. E claro, Vítor não ficou indiferente a isso, assim que se deparou com ela, na volta de uma viagem do exterior, onde tinha ficado seis anos fazendo mestrado e doutorado.
Ele, com trinta e cinco anos, estava mais charmoso e sedutor e tinha adquirido a manha da conquista com o passar do tempo. Sua masculinidade havia se tornado ainda mais evidente nos gestos, no porte, no olhar e no sorriso sedutor.
Dany sorriu de lado, lembrando da tarde, em que ele a viu na cachoeira.
As cavalgadas eram diárias, nas tardes da estação quente, quando o sol já não era tão intenso. Amava sentir o vento balançando seus cabelos e o cavalo Vento Negro, era seu fiel companheiro, presente de dezoito anos de Augusto.
Nesta época do ano, o banho de cachoeira era um prazer que não dispensava. Por ser afastada da sede da fazenda, Dany podia nadar nua naquele paraíso e depois se secar ao sol, de olhos fechados, deitada sobre o lajeado, ouvindo o barulho das águas nas pedras e o ruído vindo das aves nos galhos das árvores. Nunca ninguém a surpreendeu ali, exceto naquele dia, em que o seu sonho começou a se tornar realidade, para mais tarde, virar uma profunda decepção.
O choque do mergulho na água fria e cristalina, logo foi substituído pelo imenso prazer de ter a natureza exuberante como cenário exclusivo para ela.
As roupas tinham ficado nas lajes escorregadias perto do lago em que tinha mergulhado.
Nadou calmamente, até a queda d'água, se agarrando nas pedras, subindo para ficar em pé e deixar que a água gelada fizesse seu corpo arrepiar. De olhos fechados, por causa do volume que caía sobre sua cabeça, nem percebeu que a figura dos olhos azuis acinzentados lhe admirava, com um meio sorriso nos lábios, que numa outra ocasião, teve a certeza de serem os mais sedutores da face da terra.

Para Sempre No Meu Coração🔞‼️Onde histórias criam vida. Descubra agora