Capítulo 29

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Pensativa, recostada, acariciando com a ponta dos dedos o suede cinza que recobria um dos divãs, Dany observava Vítor ninar Alice sobre seu peito, sentado, displicente, a sua frente.
A garotinha se amolecia debaixo dos dedos carinhosos do pai. Os laços de afeto entre os dois se consolidavam a cada atenção que ele dedicava a filha e Dany se entristeceu por ter que em algum momento, ir embora ou afastá-los.
Ao mesmo tempo que a tristeza achava um lugar dentro dela, a raiva e a mágoa também disputavam espaço.
Vítor não se incomodava com o fato de envolver Alice no meio de uma disputa sem sentido, que no mínimo era cruel. Tudo para realizar seu desejo egoísta. 
A noite tinha caído e a brisa entrava pela porta da varanda trazendo um ar menos abafado. Correu os olhos pelo luxo do recinto, pensando que tudo poderia ter sido tão diferente se Priscila, Marcela, o poder e o dinheiro não formassem um abismo entre eles.
Ouviu Vítor resmungar algumas palavras carinhosas para a filha e Alice sorriu, passando a mãozinha na sobrancelha do pai, costume que tinha desde pequena, mexer nos pelinhos e às vezes arrancá-los com as pontinhas dos dedos.
Alice tinha se divertido tanto com eles dois, que por algumas horas esqueceram suas mágoas, que acabou cedendo ao cansaço e depois de um banho, o qual Vítor fez questão de dar, ela se aconchegava no afeto do peito do pai.
A cena lhe trouxe as lembranças das últimas noites, em que depois de fazerem amor, ficavam conversando ou fazendo carinho um no outro conversando. Assim como a filha ela adorava se recostar em Vítor e ouvir as batidas de seu coração voltando ao normal, em seguida às ondas de prazer.
Não entendia como ele podia mudar de uma hora para outra.
Vítor batia e assoprava. Era cruel, lhe provocava ciúmes e em outros momentos, era carinhosamente gentil e atencioso. Danyelle suspirou profundamente.
___ Pensando em quê? - o barulho do ar saindo dos pulmões chamou sua atenção.
Dany se assustou com a indagação. Às vezes, ela tinha a impressão de que ele entrava em sua mente.
___ Na teoria do caos. - disse, o que não era uma mentira. Vítor era o próprio em sua vida.___ Palavra pequena, mas que só a dimensionamos realmente quando se instala ao nosso redor.
Ele franziu a testa e se levantou com cuidado, ajeitando Alice, que apoiava a cabeça, em seu ombro, sonolenta.  Seus olhos escrutinaram a face de Dany, enquanto acariciava as costinhas da pequena delicadamente. Ciciou:
___A ideia central da teoria do caos é que uma pequenina mudança no início de um evento qualquer, pode trazer consequências enormes e absolutamente, desconhecidas no futuro. Trazendo para nossas vidas... - ele interrompeu a frase, a formulando melhor. ___ Ou seja, estamos comparando nosso relacionamento com o caos?
Dany se ajeitou de lado, escorando a mão na bochecha formando um ângulo de 30° com o braço e a espuma macia do divã, levantando o olhar para ele.
___ E não é? Olha bem pra gente! Estamos disputando a vida de um outro ser, que não pediu para estar no meio de tudo isso.  Algum momento, eu irei de volta a São Paulo, com ela ou sem ela e então, como nossa filha vai  se sentir nesta história toda? Se você  tivesse me ignorado como sempre fez desde minha adolescência, não estaríamos aqui hoje. Eu teria encontrado uma pessoa legal, talvez estivesse casada...
Minha vida nunca mais foi a mesma, depois do que aconteceu entre nós na fazenda.
___ Não vou abrir mão de Alice porque quer ir para São Paulo, atrás do seu amigo...- ela viu seu maxilar trancar. __Se arrepende de tudo que vivemos lá? Não fiz escolhas sozinho, Dany. - argumentou em defesa.
___  Eu sei, não estou te culpando. Ela é resultado da minha pior escolha, a de ter amado você e ironicamente, acabou sendo o que de melhor a vida me deu.
Vítor a encarou e Dany pensou que, se ele estava tendo algum sentimento no momento, escondia muito bem. A sua expressão era indecifrável.
___ Se naquela noite, tivesse esperado para a gente conversar e não tivesse fugido...poderíamos ter vivido nossa história sem mágoas. - ele confessou depois de alguns instantes.
Dany  o encarou e riu de leve, ele não a enganaria mais com aquele papo.
___Essa frase faz parte do plano das flores. Manter o perfume delas nas mãos para a borboleta pousar por livre e espontânea vontade? - indagou com ironia.___ É linda a frase, mas isso não irá acontecer. Nós dois temos consciência de que não teria me assumido, mesmo se ficasse sabendo que estava esperando uma filha sua. Você ficaria comigo e Priscila...Assim como agora, que tem Marcela e nada te impede de... - pausou medindo as palavras.
Não podia cometer a bobagem de cobrar que ele lhe assumisse. Vítor, simplesmente, não a escolheria para viver uma vida inteira ao seu lado porque não a amava. Isto era um fato que tinha que entender.
___ Vamos cair de novo neste assunto? Se quisesse Priscila, teria casado com ela. Quando vai se dar conta disso? - ele se irritou.___ Teria feito a vontade de todos. Ela estava grávida. No entanto, não consegui me ver dividindo uma vida com ela.
Tinha se irritado e mostrava isso na voz e na expressão com a qual lhe olhava.
Vítor saiu em direção ao quarto e acomodou Alice, numa das camas do recinto anexo, deixando a porta entreaberta. Voltou algum tempo depois, para retomar o assunto, parando em pé a sua frente. Trazia um ar diferente. Não era raiva, contudo era algo que ela não pode identificar.
___ Levanta! - ordenou estendendo a mão.
Danyelle não titubeou diante do pedido imperioso e obedeceu, dando a mão,e ele a puxou, fazendo com que viesse ao encontro de seu corpo. Ela esperou o que tinha a dizer, e por alguns segundos ele apenas correu os olhos por seu rosto como se procurasse alguma resposta para a indagação que nem havia feito. Vítor inclinou a cabeça e Dany sentiu seu perfume almiscarado, quase lhe tirando o juízo. Seus dedos afastaram com carinho os cabelos, colocando uma mecha atrás de sua orelha. Ela fechou os olhos, pensando que precisava ser forte.
Eles desceram e subiram numa carícia pela pele de seu pescoço, desenhando seu maxilar para depois, seu polegar contornar o lábio inferior. O toque queimava sua pele, a fragrância máscula a embriagava, o olhar dele, que não saia de cima do seu fazia seu íntimo se contorcer e Dany sentiu um arrepio subindo por sua espinha. O azul tinha mudado para uma tonalidade mais escura, que ela sabia ter um efeito devastador no seu emocional.
___ A frase do cartão...Meu pedido de perdão... Me dei conta que só poderei ter você se a tratar com a delicadeza de quem tem nas pontas dos dedos uma borboleta. Você é como uma frágil borboleta...A partir de hoje, sem sustos ou atitudes grosseiras. Vou mudar meu modo de agir.  - ele segurou seu queixo com o polegar e o indicador. __ Não sou acostumado a pedir desculpas pelos meus atos, mas estou aqui fazendo isso. Eu sinto ter te magoado tanto ao ponto de não querer nem receber um beijo meu.
Marcela não significa nada pra mim.
Eu preciso de você. Desde manhã que fugiu, que preciso de você, Dany. - confessou.
Danyelle prendeu a respiração. Não sabia que atitude tomar. Ele encostou seus lábios devagar nos dela, num beijo calmo e ela correspondeu.
___ Estamos nos ferindo, nos magoando... - ele argumentou, mantendo a boca muito perto da sua.
Danyelle ouviu o sinal de alerta da sua razão. Já tinha ouvido aquele papo antes.
___ Não, Vítor. Não pense que voltarei a ficar com você. Suas atitudes em relação a mim, são de poder e não condizem com o que acabou de me falar. Você só "precisa" e pra isso você já tem Marcela.
___ Quando vai entender que não tenho absolutamente nada com ela? - ele se exasperou.
___ Parou para se por no meu lugar? Eu criei uma expectativa em relação a você naquele jantar. Me arrumei para te encantar e olha o que aconteceu! Acha que preciso viver uma vida dessas, só porque precisa de mim? Poderia ter sido discreto comigo. Era o que eu esperava que fosse fazer, mas não, dançou com Marcela, riu, acariciou sua pele, se expôs, pra quem quisesse ver. Você sentiu ciúmes do garoto que estava com ela. Eu vi, Vítor!
Você nunca vai largar a política, nunca vai deixar o poder. As minhas escolhas de vida acabaram com suas expectativas em relação a mim.
Sabe bem que se eu aparecer ao seu lado, numa única foto romântica, a verdade irá aparecer. Por enquanto, pensam que somos quase irmãos...afinal, crescemos juntos. Marcela é tão importante pra você, que sabe que temos uma filha e que dorme comigo... Você conta seus segredos a ela e quer me convencer que é fruto da minha imaginação? Por favor, respeita minha inteligência! Confia tanto em Marcela que sabe que  jamais vai usar o seu segredo contra você.
A imprensa e os seus adversários políticos não perdoarão. Eles  irão atrás de quem já trabalhou lá, na Butterfly, para descobrir o meu passado.
Você não quer e não pode ter seu nome ligado a uma prostituta! Não quer nada comigo, a não ser aproveitar bons momentos escondidos porque nos damos bem na cama.
As escolhas, Vítor... - pausou para respirar, quase chorando.__...você não quer viver as consequências delas.
E eu sinto muito por você, mas sinto mais por Alice. - os olhos expressavam toda mágoa do seu coração.
___ Dany...por favor, mantive Marcela ao meu lado, justamente, para que o tempo que pedi para ajustar minha vida começasse a contar. Achei que iria entender.
___ A tarde de sexo, antes do jantar , também fazia parte da cena?
___ Deus, de onde tira essas imaginações?
___ Não inventei nada. - ela o fuzilou, lembrando que ele e Marcela se divertiam a chamando de bobinha. __ Eu ouvi. - ela se afastou e virou as costas, não querendo ver a verdade em seus olhos quando fez a indagação.___ Transou com ela, não foi? No seu gabinete.
Vítor fez a volta, voltando a ficar na sua frente para poder lhe encarar.
___ Marcela esteve no meu gabinete, sim. Não vou mentir, mas aí, a transar loucamente com ela...?
___ Eu estava no banheiro e ouvi Marcela contando a esposa de Francisco.
___ Ela mentiu.  - Vítor levou a mão aos cabelos  em desespero.__Desde que lhe trouxe à Brasília, que o máximo que cheguei perto dela foi naquele jantar.
___ Difícil acreditar em quem já dormiu comigo numa tarde e na mesma noite, pediu outra em casamento!
___ Está é a verdade, Dany. Está nas suas mãos escolher: ou confia em mim ou vamos viver no sofrimento e pior, fazendo Alice sofrer também! A história do pedido eu já expliquei, porra!! - argumentou se alterando.
___ Quem pôs Alice nesta situação foi você!  Quem bateu na minha porta querendo tirá-la de mim? Pra você nada importa, a não ser satisfazer as suas vontades. Sempre foi um playboyzinho de merda! Bastava estalar os dedos e as coisas aconteciam. Nunca soube o que é ralar de verdade. Vocês, políticos, falam tanto em meritocracia e onde está a sua pra ter chegado ao cargo de senador? - ela riu de canto, sarcástica.
Ele suspirou impaciente.
___ Não tenho culpa se nasci rico! E por isso, acha que estou brincando, mentindo ou coisa parecida? A decisão que vou tomar é muita séria. Parou pra pensar no impacto que isso terá na minha vida e na vida de quem apostou em mim?
Danyelle corria os olhos pelo rosto dele e confusa, revidou:
___Quer que eu confie? Você só me decepciona!! Quem me garante que vai mesmo largar esse inferno? Vai me usar, assim como foi no passado. Você é violento, machista...dominador...
___Quando vai entender que toda  atitude que tomei, e eu sei que o que eu fiz não tem perdão - respirou fundo, fechando os olhos, com as mãos na cintura.___ foi porque me senti ameaçado de te perder! - revelou angustiado. Ele se aproximou de Dany.
___ Acha que te obriguei a vir comigo, porquê?- a segurou pelos ombros.___  Quando digo que te preciso é porque passei mais de dois anos sonhando  em te reencontrar, te vendo em cada rosto que eu levava pra cama!
Dany sorriu triste. Queria acreditar, mas sua mente a avisava que tudo não passava de uma cilada.
__ Duvido que isso aconteça quando está com Marcela. Revirou minha vida pra satisfazer um capricho seu. Nunca superou eu ter ido embora  da fazenda...Estava acostumado a usar e descartar as mulheres, mas quando uma fez isso com você, não admitiu! E quando me encontrou, viu que não sou mais a mesma pessoa.  Qual a garantia que vai me dar para me manter ao seu lado até que resolva seus malditos problemas?!
__ Prometer algo novamente, que talvez, pelas circunstâncias, não possa cumprir? Já não chega o que te fiz no passado?
__ Qual a garantia? - o indagou seriamente em tom de cobrança.
Vítor não respondeu e ela entendeu que o silêncio às vezes, para um bom entendedor também basta.
Ela se desvencilhou e saiu em direção ao banheiro. Entrando, fechou a porta atrás de si, contendo as lágrimas. Estava começando a ficar mórbida em relação a ele. Nada do que ele dissesse a convenceria.
Dany não conseguia enxergar outro sentimento nele a não ser o de posse. Enquanto, engolia o choro, se olhando no espelho, ouvia as palavras de Vítor, que lhe atravessaram como uma faca no peito.
___ Quer que eu te proponha casamento, assim como aquele psicólogo babaca fez? - inquiriu com raiva.
Dany, perdeu o fôlego, podia vislumbrar seu ar irônico do outro lado da madeira finamente entalhada.
Respirou fundo e pesado, algumas vezes, para poder encará-lo.
Vítor não veria nunca mais seu semblante de sofrimento. Não mendigaria nunca mais seu amor. Abriu a porta recomposta. Por dentro, uma tormenta de sentimentos e acabada, mas por fora, ninguém se atreveria a dizer o contrário. Sua voz saiu estranhamente firme quando seus olhos se encontraram.
___ Uau!! Até que enfim, tive a resposta que procurava. Não sirvo para casar, formar uma família decente... Quem casar comigo, na sua opinião é um babaca... - o bolo angustiante das palavras trancava em sua garganta. Buscou o ar para poder continuar e acabar de vez com a aquela história cruel. ___ Sirvo para cama, apenas isso. - ela sorriu sarcaz, amargando o comentário dele.
Vítor enfim, num rompante, deixou escapar exatamente, o que pensava e ela achou que esse era um motivo mais  do que importante para acabar de vez com tudo.
___ Se me propusesse casamento, jamais aceitaria. A conversa que tivemos lembra, antes do jantar em sua homenagem, quando me fez o acordo?
Ele assentiu.
___ Então, não precisa mais largar sua vida de político, não precisa se sentir culpado em relação a mim e Alice. Tudo foi fruto das minhas escolhas. Não precisa reparar seu erro para com a gente. Pode achar que nosso desejo  é forte o suficiente para vivermos juntos por dois anos, mas não é. - ela suspirou, criando coragem para o que falaria. ___Não te amo, Vítor. - ouvir o som de suas próprias palavras dizendo aquela frase a dilacerava, mas ver que a expressão dele não se alterava diante do que dizia era ainda mais dolorido.___ Estou aqui, por Alice, lembra?- firmou os olhos nele.___ Descobri que não quero ficar dois anos a sua mercê.
Vítor imóvel a observava, não acreditando em seu íntimo, o que acabava de ouvir.
Dany continuou, sangrando o coração.
___ Pra você é muito conveniente escolher com quem quer ficar. Ao final dos dois anos, não restará nada. Vamos acabar enjoando da cara um do outro. Não quero sentir nojo do pai da minha filha. Alice não merece isso. Minhas decisões já foram tomadas.
___ Esqueceu que pode estar esperando um bebê?
___Se  estiver, será sua obrigação sustentá-lo. Não vou bancar a heroína desta vez.
Vou mudar de vida, mesmo não casando com Flávio.
___ Vou arrancar os dois de você!  - ele a intimidou caminhando de um lado para o outro, visivelmente nervoso com a revelação.___ Ou você fica junto ou serei obrigado a tomar atitudes que não gostaria. - sua voz mostrava que não estava brincando.
___ Você é obcecado. Precisa de tratamento. Pois tente. Vou aos jornais, vou te expôr, mesmo que seja massacrada, mas vou lutar.
Ele riu.
___ Criou asas não foi? O psicólogo tem falado com você! - acusou.__ Ele é quem põe essas idéias na sua cabeça!
___ Sim, criei. Você pode espernear, me bater, chorar... sei lá! Mas não vai me impedir de ficar com Alice. O que falei é uma ameaça para você recuar. Esperarei até o dia da audiência, se perder vou te expôr. Queria guerra? Pois terá! - disse e se dirigiu à porta, abrindo.__ Se veio atrás de sexo, sinto muito, mas não vai conseguir nada comigo. Marcela talvez, esteja te esperando... ou quem sabe a outra mãe do seu filho. Fora!!
__ Você só pode estar louca? - ele saiu, parando para lhe encarar.___ Quando se der conta das burradas que está cometendo, não terá perdão.
___ Fora daqui!! - ela grunhiu e fechou a porta com força, como se pudesse trancar o passado lá fora.
Foi para o terraço e chorou amargamente. O que decidiu fazer era o que deveria ter feito lá no início, quando ele a descobriu. Vítor usou e abusou de seu medo de perder a filha e do seu amor, para lhe subjugar, para usá-la de todas as formas. Não deixaria mais isso acontecer.
As cartas estavam na mesa. Jogaria sem blefar daqui pra frente.

Para Sempre No Meu Coração🔞‼️Onde histórias criam vida. Descubra agora