Kristine, 4.

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9:20 P.M.

    Eu me sentia melhor no escuro do meu quarto, isolada de todos e acompanhada unicamente daquele cobertor de veludo. Sei que não deveria manter algo tão sério assim em segredo, tentando lidar com isto sozinha como se fosse passível de superação, mas eu ainda estava imensamente perdida, sem saber o que fazer. Encolhida, abraçando as pernas, eu me escondia da realidade o máximo possível, buscando desesperadamente esquecer o que ocorrera. 

    Também entendo que não deveria esforçar-me para esquecer uma agressão, o correto seria expor este acontecimento e tomar as medidas cabíveis rapidamente, mas meu lado misericordioso se contorcia só em imaginar que eu poderia preparar algo igualmente ruim para ele. De verdade, eu sei mesmo que estava errada em pensar assim, a Kris de hoje jamais se conformaria ou se calaria, mas eu só tinha dezoito anos e possuía uma visão muito restrita das coisas. Por favor, não repitam o meu erro se, porventura, alguém venha a tentar te machucar um dia. 

    Ainda que o assombro ocupasse um espaço considerável em minha mente, outro sentimento decidira entrar na disputa pelo protagonismo: o medo. Naturalmente, mulheres já sentem medo constantemente só por terem nascido do sexo feminino, já que são obrigadas a conviver com diversos casos de desrespeito, abuso ou agressões ao longo de suas vidas. Naquele momento, acima de tudo, eu tinha ainda mais motivos para temer. Alguém que dedicou-se a enforcar a pessoa que supostamente amava é capaz de qualquer coisa, até mesmo de causar danos irreversíveis, e eu era incapaz de ignorar os numerosos perigos que se apresentavam.

    Minha mochila já estava arrumada, encostada num canto, pois conseguira ânimo para montá-la quando subi. Não precisei incluir muitos itens de maquiagem na necessaire, dado que, para minha sorte, as marcas em meu pescoço eram mínimas. As piores marcas estavam em meu coração, invisíveis a olho nu, mas com potencial para me machucar eternamente. As maiores feridas, geralmente, não podem ser vistas.

    Mas eu não queria ficar ali, afogada em mágoas e medos enquanto todos se divertiriam. Decidi ir junto, mesmo daquele jeito, mesmo que precisasse segurar vela para dois casais. Qualquer coisa seria melhor do que ficar em casa sozinha, somente aguardando que ele aparecesse repentinamente para fazer algo pior do que já fizera.

    Mais cedo, o barulho do chuveiro ajudou a camuflar o som do meu choro, permitindo que eu secasse meu estoque semanal de lágrimas em um só golpe. Meu celular contabilizava dezenas de mensagens e ligações de Nate, e todas foram devidamente ignoradas ao longo da tarde pois não estava disposta a perdoá-lo ou ouvi-lo. Ademais, cansada de ouvir a vibração, preferi desligá-lo por tempo indeterminado, então muitas outras mensagens deviam ter sido enviadas. Eu não me importava.

    Agora, por fim, tudo que eu conseguia fazer era permanecer deitada e estática. Pelo menos temporariamente.

    No andar de baixo, a agitação denunciava que os meninos haviam finalmente chegado do supermercado. Era reconfortante ouvir suas vozes e ter a certeza de que eu estaria segura dali em diante, protegida de qualquer tentativa cruel e mau intencionada de Nathan, mesmo que ele não tivesse dado indícios de que me perseguiria. 

    Além deles, pude escutar e constatar a presença de Mia, que pedia ajuda para descarregar algumas compras impacientemente. Queria poder desabafar com ela, ser abraçada e amparada. Queria poder contar aquilo para qualquer um, mas fazer isto só me causaria transtornos que eu não estava disposta a suportar. Nate merecia uma lição, mas eu não me interessava em ver ou saber, não pretendia assumir a responsabilidade pela dor de alguém, independente de quem fosse.

    Precisaria me calar e me reerguer sem a ajuda de ninguém. Só não sabia como.

    As vozes lá embaixo debatiam os planos para o dia seguinte enquanto alguém remexia em panelas, pronto para preparar o jantar. Normalmente estes ruídos me fariam criar grandes expectativas, mas meu apetite havia migrado para o espaço.

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